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Caça aos indecisos contra o autoritarismo

Alta nas pesquisas ascende esperança por virada de Haddad e leva apoiadores às ruas

O Rio de Janeiro que votou massivamente em Jair Bolsonaro no primeiro turno das eleições presidenciais tem vivenciado nos últimos dias a política do corpo a corpo em suas esquinas mais movimentadas para tentar mudar o jogo na cidade a favor de Fernando Haddad. Estações de trem, metrô e barcas, além de praças do centro, Tijuca, Botafogo e Largo do Machado tornaram-se pontos de encontro de partidários do petista, ou simplesmente opositores do deputado, que ainda sonham com uma virada. Animados com a redução da vantagem do candidato de extrema direita nas pesquisas, partiram para o tudo ou nada e, mais do que distribuir adesivos e panfletos, vem se propondo conversar e, acima de tudo, ouvir aqueles eleitores indecisos ou que pretendem anular o voto. O mesmo movimento acontecia em outras capitais, como São Paulo. Neste sábado, véspera do segundo turno das eleições presidenciais, apoiadores de Haddad realizaram atos em diferentes pontos da capital paulista. 

Apoiadora exibe propaganda de Haddad.
Apoiadora exibe propaganda de Haddad. PILAR OLIVARES (REUTERS)
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O tom que guia a mobilização tem, em geral, uma diretriz crítica ao próprio PT e um esforço para quebrar a polarização, além de abrir mão de palavras de ordem e rótulos para tentar conversar fora de seu próprio círculo. A mensagem é que Haddad é, ao menos, um mal menor e que é preciso alertar para aquilo que veem como riscos autoritários associados a Bolsonaro. O movimento ganha impulso em um momento já célebre da campanha, com o duro discurso do rapper Mano Brown, no Rio, em um palco do PT na terça-feira. O músico disse na ocasião que o momento não era de festa da esquerda e sim de tentar entender os eleitores frustrados. "Vim representar a mim mesmo e não representar ninguém. Não gosto de clima de festa, e a cegueira que atinge lá atinge cá também. Tem mais 30 milhões de diferença de votos, não tem margem para alcançar. Não estou pessimista, estou realista", disse o músico. "Gente que me servia café, que atende meu filho no hospital, viraram monstros [de raiva]. Falar bem do PT é fácil. Tem uma multidão que não está aqui que precisa ser conquistada".

Se antes parecia haver certa apreensão por reações hostis, nos últimos dias as ruas e vagões do metrô estavam repletos pessoas exibindo orgulhosas seus adesivos da candidatura petista. O movimento foi engrossado por artistas globais como Paulo Betti —visto dentro do metrô panfletando—, Patricia Pillar, Leandra Leal, Leticia Colin, Luisa Arraes ou Herson Capri. Alguns chegaram a levar cartazes chamando os eleitores em dúvida para uma conversa e um café, algo que foi repetido por várias dezenas de eleitores de Haddad que se propuseram a ocupar as ruas em busca de votos. Na sexta-feira, depois de um dia de trabalho e panfletagem, outro ato chegou a reunir milhares de pessoas nas ruas do centro do Rio.

A jornalista Patricia Britto, neste sábado no Rio.
A jornalista Patricia Britto, neste sábado no Rio.

A jornalista Patricia Britto já vinha se engajando na campanha eleitoral através das redes sociais, buscando combater as milhares de fake news. Neste sábado, contudo, levou consigo bolo, broa de milho e café para perto da estação Botafogo. Junto com outras pessoas, acolheu durante todo o dia os que se mostraram abertos a uma conversa sobre política. "Perdi a conta de quantos votos virei hoje. Mas a escolha é de cada um, isso é democracia. O importante é que mesmo os que decidam apostar em Bolsonaro estejam bem informadas", argumenta. O primeiro passo para abrir um diálogo é simples: escutar. "Existe uma frustração com o PT que é legítima. Mostramos que também nos preocupamos com a corrupção, mas que existem questões são piores que a corrupção, como os crimes contra a humanidade", explica a mulher de 32 anos, que levava um cartaz rosa pendurado em que se lia: "Está em dúvida? Vamos conversar?".

Com um cartaz e abordagem parecidos, a educadora Giselle dos Santos, de 46 anos, está nas ruas desde a primeira manifestação das mulheres contra Bolsonaro. "Eu gosto muito de ouvir e tentar entender. Uso fatos, vídeos, gravações e entrevistas para tentar convencer. E evito argumentos pessoais", explica. Só neste sábado diz ter conseguido reverter três votos nulos. Mas o sucesso nem sempre é garantido em todas as abordagens. "Chega uma hora que, se vejo que a pessoa está convencida de seu voto, respeito e paro de argumentar, porque aí entendo que é uma violência contra a pessoa".

A educadora Giselle Santos, no Rio.
A educadora Giselle Santos, no Rio.

O estudante de Relações Internacionais Gustavo Araújo, de 25 anos, já vem tentando reverter votos de familiares e amigos desde o início da campanha eleitoral. Todo um treinamento para que neste sábado fosse para a rua conversar com completos desconhecidos sobre política. "Geralmente impera alguns chavões como corrupção, 'promete mas não faz', etc. Existe muita desinformação", explica ele, que vem focando suas atenções nos indecisos. "Conversei com dois homens negros da periferia e consegui trazer a questão de como um governo Bolsonaro não seria voltado para a gente. E como essa questão da militarização vai contra quem mora nas periferias. E eles compreenderam, porque quem mora na periferia sabe. Esses dois votos eu reverti", comemora. Perto do rapaz, Fernanda Lemos, de 26 anos, acabava de chegar com seu cartaz pedido para conversar. "Estou na rua há 30 minutos e acho que consegui reverter um voto nulo", conta, empolgada. Com o celular em mãos, tenta convencer com vídeos e declarações dos candidatos. "Percebo que existe muita preocupação com o kit gay e o aborto".

Carnaval político

Eleitores de Haddad, em uma esquina do Rio neste sábado.
Eleitores de Haddad, em uma esquina do Rio neste sábado.F. Betim

Além de abordar os que passavam, as dezenas de pessoas também balançavam bandeiras e distribuíam adesivos e folhetos. Para cada motorista que passa buzinando em apoio, aplausos e gritos. A centenas de quilômetros dali, no Largo de Santa Cecília e na Praça da República, centro de São Paulo, partidários de Haddad participavam dos blocos de carnaval "em favor da democracia". Na avenida Paulista e no Viaduto do Chá, apoiadores também se agrupavam para tentar convencer os eleitores indecisos.

A advogada Ana Paula Ferreira e o professor de sociologia Marcionilio Nery chegaram ao Largo Santa Cecília por volta das 14h munidos de cartazes que convidam o eleitor indeciso para uma conversa. "Eu vim porque estava muito angustiada. Acho que nesse momento é mais importante sair da bolha dos que pensam como nós e tentar dialogar com quem está na rua. É a primeira vez que decido sair pra conversar com desconhecidos porque o Bolsonaro representa tudo o que não quero pro meu país", afirma Ana Paula. Ela se aproxima de uma jovem que diz que votará nulo porque não concorda com nenhum dos candidatos. A advogada conta que também não votou no candidato do PT no primeiro turno, mas argumenta que é preciso garantir as liberdades individuais. Não consegue convencer totalmente a jovem, mas diz que seguirá com as tentativas. "Já conversei com tanta gente hoje que é impossível contar", diz a advogada.

Lucas Soares, neste sábado no Rio.
Lucas Soares, neste sábado no Rio.

Um pouco mais adiante, um grupo panfletava enquanto militantes realizavam um ato com microfone aberto. A arquiteta Bárbara Sampaio e o advogado Gabriel Vieira dizem que não votaram no PT no primeiro turno, mas decidiram panfletar na véspera da eleição por medo. "Eu acho que a gente demorou para vir para rua, mas ainda é efetivo. Acredito que um panfleto e uma palavra planta uma semente no indeciso", afirma Bárbara. Gabriel conta que decidiu sair de casa porque acredita que esta eleição é crucial para a república brasileira e que, independentemente da eficácia de virar os votos, é preciso passar a mensagem de preocupação com essa eleição. "É a primeira vez que venho para rua numa campanha eleitoral e vim porque essa eleição é atípica", explica.

Na avenida Paulista, pelo menos quatro grupos de jovens tentavam convencer eleitores indecisos próximo ao Masp. A psicóloga Caroline do Carmo diz que o resultado das últimas pesquisas eleitorais, que mostram uma diferença menor entre os candidatos Haddad e Bolsonaro, deram um fôlego para que pessoas que nunca haviam militado nas ruas ocupassem esse espaço. "Eu sou uma delas. Estava tomando um café aqui e resolvi vir. Aqui quase ninguém se conhece, mas estamos juntos para tentar convencer as pessoas sobre o risco que é eleger Bolsonaro", conta ela, acompanhada por mais sete estudantes.

Por volta das 16h, centenas de apoiadores de Haddad se aglomeravam na Praça da República, de onde sairia o cortejo dos blocos de carnaval da cidade de São Paulo em prol do petista. Entoando gritos como "Pra garantir a liberdade, Haddad, Haddad. Pra quebrar todo tabu, Manu, Manu", a marcha organizada pelos blocos carnavalescos de São Paulo passou pelo Centro, desceu a Consolação e seguiu pela rua Maria Antônia. A Polícia Militar estima que cerca de mil pessoas acompanhavam a caminhada. O vereador petista Eduardo Suplicy, derrotado na eleição para o Senado neste ano, acompanhava a manifestação sozinho. "Tenho sentido um sopro de energia formidável da militância nos últimos dias e acredito que a vontade de manter a democracia vai prevalecer", disse, enquanto atendia a dezenas de pedidos de manifestantes para fazer selfies.

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