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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Bolsonaro e o seu partido

PSL deverá ser o grande polo de de atração para políticos de outros partidos, a começar pelos que não atingiram a cláusula de barreira. É o suficiente para que antes de abertura da próxima legislatura, o tenha se tornado a maior bancada na Câmara

Deputados eleitos pelo PSL no Rio, em coletiva de imprensa nesta quinta.
Deputados eleitos pelo PSL no Rio, em coletiva de imprensa nesta quinta. Leo Correa (AP)

Cada eleitor deve ter um resultado que considera mais surpreendente na eleição de 2018. Para uns, deve ter sido a votação obtida por Jair Bolsonaro. Para outros, a derrota de nomes tradicionais da política brasileira, a mais impressionante delas a da ex-presidente Dilma Rousseff. Escrevo e ainda me choco. Uma ex-presidente, vitoriosa em duas eleições, chega em quarto lugar na disputa para Senado de um Estado. Nada me surpreendeu mais, porém, do que a votação obtida pelo Partido Social Liberal (PSL) nas eleições para a Câmara dos Deputados. Bolsonaro se filiou ao partido no dia 7 de março de 2018, um mês antes do prazo definido por lei para quem quer ser candidato. Portanto, ele dispôs de trinta dias para filiar seus seguidores e organizar a lista candidatos de cada Estado. Com nomes pouco conhecidos e alguns políticos do baixo clero, a expectativa era que a bancada do PSL chegasse a no máximo 30 deputados. Quando a apuração dos votos foi encerrada, o inesperado: o PSL foi o partido mais votado do país nas eleições para a Câmara dos Deputados, desbancando as três legendas que dominaram a política brasileira nas duas últimas décadas: PT, PSDB e MDB. A figura abaixo mostra a votação obtida pelos partidos na disputa para a Câmara dos Deputados.

Na divulgação dos resultados, a ênfase recaiu no fato de o PSL ter conseguido a segunda maior bancada (52 deputados), atrás do PT, que obteve 56 cadeiras. Mas observar a votação dos partidos nos permite ver com mais clareza a força do bolsonarismo. Para se ter um padrão de comparação, o PT, o partido mais organizado do país, conseguiu atingir este patamar de votos na terceira eleição que disputou. Em representação na Câmara dos Deputados, o PT só conseguiu ultrapassar as 50 cadeiras em 1998, dezoito anos após ter sido fundado. A votação do PSL para a Câmara dos Deputados e para as Assembleias Legislativas de muitos Estados —particularmente, São Paulo e Rio de Janeiro— é a maior já obtida por um novo partido na história das eleições desde que a nova Constituição foi promulgada em 1988; eu sei que formalmente o PSL já existia e elegeu um deputado federal em 2014, mas na prática, é um novo partido.

Na primeira eleição que disputou, em 1990, mesmo contando com grandes figuras da política nacional, o PSDB obteve 8,7% dos votos e 7,6% das cadeiras na disputa para a Câmara dos Deputados. O que mais surpreendeu no fenômeno Bolsonaro foi a sua capacidade de transferir votos em cascata para candidatos que concorreram a outros cargos. A transferência fica patente quando observamos a votação impressionante de nomes de candidatos desconhecidos no meio político. Para dar um único exemplo, eu cheguei a receber um panfleto do candidato a deputado federal Hélio Lopes mas nunca imaginaria que ele se tornaria o deputado federal mais votado do Rio de Janeiro, com 345.000 votos. Dos 12 deputados federais eleitos pelo PSL-RJ eu conhecia apenas um. Na era da cédula de papel, podíamos observar como o eleitor havia votado, durante a apuração. Tenho a impressão que se tivéssemos a possibilidade de ver a cédulas desse ano encontraríamos milhões nas quais o eleitor votou de cima a baixo em nomes do PSL, ou apoiados pelo bolsonarismo.

Acredito que nos próximos meses, o PSL será o grande polo de de atração para políticos de outros partidos. A começar dos deputados eleitos por alguns partidos de direita que não atingiram a cláusula de 1.5%. A eles é dada a possibilidade de migração para outras legendas sem serem punidos. São seis deputados do Patriota, quatro do PRP, dois do PTC e um da DC. Não são muitos. Mas o suficiente para que antes de abertura da próxima legislatura, o PSL tenha se tornado a maior bancada na Câmara dos Deputados, crescido no Senado e em muitas Assembleias Legislativas. Por fim, é bom lembrar que a partir do ano que vem, o PSL será o partido que mais recursos receberá do fundo partidário, e do fundo eleitoral nas disputas de 2020 e 2022. Sem contar que terá o maior tempo no horário eleitoral. Um recurso impressionante para quem fez uma campanha em 2018 sem praticamente utilizar o rádio e a TV, e com muito pouco dinheiro do fundo eleitoral. No sábado, véspera da eleição, fomos dormir especulando a respeito do percentual de votos que Bolsonaro teria na disputa para presidente. No domingo à noite vimos um grande partido de direita nascer. Com os votos que obteve e os recursos que receberá a partir de 2019, já nasce como um ator central do novo quadro partidário.

Jairo Nicolau é professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Esse texto foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições de 2018, que conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras e busca contribuir com o debate público por meio de análises e divulgação de dados. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.org

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