PT de Lula vive momento mais dramático de seus 38 anos de história
O Brasil precisa de resistência contra a barbárie e, ao mesmo tempo, de um diálogo de todas as forças democráticas
Nunca o Partido dos Trabalhadores, fundado pelo sindicalista e torneiro mecânico Luiz Inácio Lula da Silva tinha vivido um momento de maior dramaticidade e responsabilidade em seus 38 anos de história. O PT foi visto como responsável, principalmente durante os dois Governos de Lula, por um novo renascimento político e social do país que criou riqueza e abriu espaços de liberdade. Ou, como o próprio Lula afirmou, foi “um exemplo de convivência democrática na diversidade”. O PT, que era visto como o partido da esquerda moderada mais importante da América Latina, hoje está nas cordas, acossado pela onda de autoritarismo do ex-paraquedista, o homofóbico e violento Jair Bolsonaro.
É verdade que o PT não desapareceu arrastado pelo tsunami que castigou todos os partidos da velha guarda, começando pelo PSDB de FHC. Embora também diminuído, o PT saiu vivo, elegeu a maior bancada de deputados federais (56) e levou ao segundo turno seu candidato, Haddad, escolhido por Lula, impossibilitado pela Justiça de concorrer. E, no entanto, hoje o PT é o alvo de todas as iras. O antipetismo e o antilulismo parecem querer arrastar tudo. O partido vive a tragédia de ser rejeitado por grande parte da população, os seguidores do capitão ultradireitista sem biografia nem história. O PT sabe que muitos votarão no capitão não porque morram de amor por ele, mas para impedir que a esquerda governe novamente. Como explicar esse ódio? O que aconteceu com este país que tão rapidamente e com tanta veemência bandeou-se para as fileiras do nascente fascismo bolsonariano?
Nada nasce do nada nem na vida e nem na História e o PT precisa fazer um exame de consciência com urgência. O curioso é que o primeiro a prever esse declínio do partido foi o próprio Lula que, antes de ser condenado e preso, confessou primeiro ao líder socialista Felipe González e depois a este jornal que seu partido “vivia um momento de cansaço”. Queixou-se de que seus quadros “só pensam em cargos e empregos, em serem reeleitos. Ninguém mais trabalha de graça como antes”, afirmou. E chegou a pensar que o partido precisava “ser refundado”. Uma possibilidade que foi pensada depois do escândalo do mensalão e após outro escândalo, o do petrolão.
Faltou ao PT –um partido que começou como uma esquerda radical e que o pragmatismo de um Lula sem ideologia transformou em uma social-democracia aplaudida em todo o mundo – no final, fazer uma autocrítica por seu envolvimento nos escândalos de corrupção que incluiu quase toda a classe política. Sobretudo porque Lula havia confessado: “nascemos para ser diferentes dos outros partidos”.
Hoje o PT representa uma esquerda social moderada indispensável em um país que vive majoritariamente na pobreza e que continua sendo um dos mais desiguais e injustos do mundo. Uma esquerda que foi reconhecida como democrática por todos os segmentos da sociedade –dos mais pobres e menos instruídos aos intelectuais e acadêmicos. E que hoje seria a única força capaz de deter a onda de autoritarismo da extrema direita que parece ter contagiado, de repente, a maioria da sociedade.
Ganhando ou perdendo as eleições do próximo dia 28, o PT estará diante de um sério dilema. Se Haddad ganhar, com Lula na prisão, será a primeira vez que terá de governar com uma oposição dura e sem trégua. Talvez até violenta. Algo que os governos do PT não conheceram, pois a oposição do PSDB os deixou viver em paz. Lula conseguiu encantar a oposição. Hoje tudo mudou. Não será fácil, pela primeira vez, governar com a paz do passado. E se perder as eleições, se veria responsável por liderar uma oposição a um Governo antidemocrático que chega com desejo de vingança e com vocação para acabar com ele e com toda a esquerda.
Daí a séria responsabilidade do PT e de Lula em fazer, sem perder tempo, um exame de consciência que leve a uma rápida refundação. Algo que deve ser radical e urgente, como radical e urgente é o momento político que o país vive, o mais sombrio e incerto desde a ditadura.
Para isso, o PT erraria se entendesse que para ressurgir do cataclismo que sofreu bastaria maquiar seu candidato, o acadêmico Haddad, eliminar a cor vermelha de suas bandeiras, retirar o rosto de Lula da campanha, fazer um corte de cabelo mais moderno, ou promover encontros noturnos em busca de duvidosas alianças com a direita, começando já a oferecer cargos e ministérios.
O PT, sem o qual o Brasil ficaria órfão de uma força progressista social e democrática, hoje mais necessária e urgente do que ontem, precisa falar à nação de coração aberto, sem complexos, mas também sem esconder seus pecados e de suas culpas. A sociedade precisa ouvir de seus lábios que quer um Brasil unido, sem o fatídico “nós contra eles”. Quer saber o que pensa da Venezuela. Precisa apresentar um Brasil em que caibam todas as diferenças, um Brasil capaz de contribuir para renovar a política, hoje asfixiada por seus detratores e ferida por aqueles que deveriam tê-la preservado dos demônios da corrupção e da excessiva sede de se perpetuar no poder a qualquer preço. Insistir em colocar a culpa nos outros ou mostrar sede de vingança, caso volte ao poder, equivaleria a um suicídio político.
O Brasil precisa de resistência contra a barbárie e, ao mesmo tempo, de um diálogo de todas as forças democráticas para devolver à sociedade a esperança que parece ter perdido pelo caminho. É nos momentos históricos, quando um país parece ter perdido o rumo, que a sociedade deve saber reagir com maior confiança em si mesma e em seus melhores valores. Aqueles que o mundo de fora reconheceu e aplaudiu.
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