Ciro se veste de esquerda ‘não radical’ e acelera o passo para evitar ascensão de Haddad
Embolado no segundo lugar com mais três adversários, pedetista quer furar bolha PT-PSDB para avançar entre o eleitorado progressista
Assim que Fernando Haddad foi oficializado como o candidato do PT à presidência, Ciro Gomes (PDT) acelerou seu passo rumo aos ataques à chapa petista. “O Brasil não aguenta mais outra Dilma”, disse o pedetista nesta quarta-feira em sabatina no jornal O Globo. Com a frase, ele tenta colar no ex-prefeito paulistano a imagem de poste atribuído à ex-presidenta, que tinha 9% de aprovação quando sofreu o impeachment em 2016. O anúncio de Haddad, feito no dia seguinte aos resultados da última pesquisa Datafolha, devem cristalizar essa estratégia de Ciro Gomes de disputar o voto do eleitorado progressista que está decepcionado com o PT. De acordo com o levantamento, Ciro passou de 10%, no final de agosto, para 13% das intenções de voto agora. Já Haddad, quando ainda não era o candidato oficial mas se mantinha em campanha, passou de 4% para 9%.
Com o segundo lugar da pesquisa embaralhado por quatro candidatos – além de Ciro e Haddad, disputam um espaço no segundo turno Marina Silva (11%) e Geraldo Alckmin (10%) – o pedetista deve correr para abocanhar parte do eleitorado de Marina e outros tantos daqueles que votariam em Lula, mas rejeitam ou não estão 100% seguros sobre a escolha de Haddad.
A estratégia de Ciro, segundo Carlos Lupi, presidente do PDT, é consolidar o pedetista como o candidato da esquerda não-radical, e tentar furar a bolha de disputa entre PT e PSDB, apresentando-o como uma via progressista fora do Partido dos Trabalhadores. “A gente tem feito esse discurso, de que não somos o PT, mas, ao mesmo tempo, não somos antipetistas”, diz Lupi. “Essa é a estratégia desde o início da campanha”.
De fato, Ciro vem mirando no eleitor "constrangido" com o PT, como ele mesmo define, há algum tempo. Nas ruas, seu discurso se demonstra afinado com o plano de sua campanha. No início da semana, o candidato afirmou que o PT também colaborou para a radicalização do Brasil, colocando o Partido de Lula no lugar da esquerda radical e se posicionando como o candidato mais centrado, quase um paz e amor, não fosse a fama de seu temperamento explosivo. “Eu acho que estou demonstrando ao povo brasileiro que eu interpreto o melhor projeto para o Brasil, e, na política, nossa posição é encerrar essa crônica de confrontação radicalizada que infelizmente o PT também colaborou para acontecer”, afirmou, em Mauá (SP).
Nesse cenário de tentativa de rompimento da polarização entre petistas e tucanos, Paulo Calmon, cientista político da Universidade de Brasília (UNB), afirma que o pedetista tem se mostrado a mais provável "terceira via" —posição que Marina Silva (Rede) tenta encarnar desde 2014. "Ciro talvez seja o candidato mais preparado, se apresenta bem nos debates e entrevistas e encarna bem o que chama de ala progressista”, diz. “Ele disputa a preferência dessa ala provavelmente com o candidato do PT, Haddad, e um pouco menos com Marina, porque ela de certa forma assumiu uma posição mais ao centro”, explica.
Em números, a disputa confirma a teoria de Calmon: o vácuo deixado por Lula impulsionou tanto Ciro quanto Haddad, dividindo assim, o eleitorado progressista. Ao que tudo indica, ambos abocanharam parte dos votos perdidos pela ambientalista da Rede. Dos cinco primeiros colocados, Marina foi a única que caiu: de 16% para 11% das intenções de voto, segundo o Datafolha de 10 de setembro. A mesma pesquisa mostra também que Ciro tem boa votação até entre os petistas convictos: 18% das pessoas que afirmam ter como partido de preferência o PT dizem que votariam nele, um número quatro pontos percentuais maior que o registrado em 22 de agosto —neste período, Haddad subiu de 11% para 30% neste segmento.
A aposta de Calmon, portanto, é que o segundo turno seja disputado por um candidato mais conservador e outro do campo progressista. “Na ala conservadora, Jair Bolsonaro (PSL) até agora tem demonstrado ampla vantagem sobre Alckmin (PSDB), e na esquerda, a disputa ficaria entre Haddad, Marina e Ciro”, diz. Para ele, porém, Ciro larga na frente do petista, não só por já estar em campanha há mais tempo, como também por incorporar melhor a imagem de mudança, já que Haddad tem, com o PT, o recall da Lava Jato e da crise econômica. “Por outro lado, Haddad tem um eleitorado muito fiel. Então, a pergunta é: em que medida ele vai conseguir atrair toda essa gama de eleitores tradicionais do PT e expandir seu apoio para o segundo turno?”, questiona. “Já Ciro, apoiado por um partido menor, em que medida vai conseguir se apresentar como candidato progressista, e, ao mesmo tempo, como alguém que represente a mudança?”.
Depois que Haddad deixou o posto de vice para ser o titular, a segunda posição ainda é um ponto importante para a decisão do voto. Enquanto o petista leva Manuela d'Ávila (PCdoB) em sua chapa, uma candidata jovem, que se identifica com as mulheres e o movimento feminista, Ciro compôs com Kátia Abreu (PDT), próxima do agronegócio e dos ruralistas e polêmica em relação a demarcações de terras indígenas. Para Calmon, esses fatores podem depor contra a chapa de Ciro ao tentar atrair a confiança da esquerda, mas há outras variáveis que devem ser ponderadas. "É importante notar que, embora as bases eleitorais de Kátia Abreu sejam tradicionalmente o agronegócio, ela assumiu uma posição bastante progressista especialmente em apoio a Dilma na época do impeachment", diz. "Ela assumiu uma postura bastante crítica com esse movimento e se identificou muito como mulher. Acho que essas características não são capazes de anular a proximidade dela com o agronegócio, mas se sobressaem".
O campo de batalha no Nordeste
Para Túlio Velho Barreto, cientista político e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, no Recife, não há outro caminho para Ciro Gomes crescer que não passe pela disputa pelos votos do PT. "Marina tem um eleitorado cativo, em função de já ter disputado duas eleições. A aposta de Ciro tem que ser nos votos do PT", diz. E para conquistar esse eleitorado mais à esquerda, e que ainda pode estar indeciso, o pedetista precisará continuar explorando a região Nordeste. "Ciro tem que apostar no eleitorado de Lula que, em parte, está no Nordeste", afirma Barreto.
Com 26% do eleitorado brasileiro, o Nordeste é a única região onde somente Ciro e Haddad cresceram nas intenções de voto, segundo o Datafolha: Ciro foi de 14%, no final de agosto, para 20% agora. E Haddad subiu de 5% para 13% no mesmo período. "O Nordeste é o que chamamos de battle grown [campo de batalha] para os dois candidatos. E os dois vão precisar de muitos votos ali, para compensar a divisão dos votos que terão no Sul e Sudeste", diz Paulo Calmon, da UNB. De acordo com ele, ambos os candidatos têm vantagens e fragilidades nessa região. "Haddad não tem apelo no Nordeste, mas depende da capacidade de Lula transferir votos pra ele. E Ciro carece de base partidária, mas é da região".
Depois que Haddad incorporou a campanha do PT, mesmo como o candidato não oficial, o cenário no Nordeste mudou. O percentual de votos brancos, nulos ou em nenhum candidato, que em agosto era de 28%, agora caiu para 18%, pulverizado entre o petista e Ciro, já que Marina Silva caiu de 19% para 11% na região. Os demais, se mantiveram ou oscilaram dentro da margem de erro, que é de dois pontos percentuais para mais ou para menos. O crescimento de Ciro Gomes, portanto, depende da dúvida do eleitorado petista sobre a capacidade de crescimento e representação de Haddad como o candidato de Lula. "Ciro não tem outro eleitorado a não ser o eleitorado do PT", diz Túlio Velho Barreto.
Com isso, a disputa de hoje rememora a eleição de 1989, quando Leonel Brizola (PDT) buscou apoio de Lula para compor uma chapa com o petista como vice. Na época, Lula desdenhou do pedetista gaúcho e não aceitou a aliança por ser contrário à política de Getúlio Vargas, defendida por Brizola. Naquela disputa, o petista ficou grande parte do tempo em terceiro lugar nas pesquisas, atrás de Brizola e Fernando Collor de Melo (PRN), mas no final, acabou chegando no segundo turno. O revés ocorreu quando Brizola teve que engolir o "sapo barbudo", como ele mesmo disse, e apoiar o petista no segundo turno para não ficar ao lado de Collor.
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