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Comércio internacional fraqueja e ameaça crescimento global

Os dados de transações de mercadorias pioraram mesmo antes das medidas protecionistas aplicadas pelos EUA. Especialistas e instituições acreditam que tais ações podem agora agravar o cenário

Antonio Maqueda
Contentores de transporte, no porto de Hong Kong.
Contentores de transporte, no porto de Hong Kong.J. F. (EFE)
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Depois de um 2017 fulgurante com taxas de crescimento anuais que chegaram a 6%, o comércio mundial de mercadorias volta a perder fôlego. Segundo os últimos dados disponíveis do CPB World Trade Monitor até abril, nos últimos três meses o volume caiu 0,6%. E isso ocorreu antes que fossem impostas as tarifas. As economias dos emergentes, China e Europa tiveram um começo de ano pior do que o esperado. A sincronização global vivida em fim de 2017, quando todas cresciam em uníssono, se esgota. A preocupação de especialistas e instituições é a de que as medidas protecionistas agravem esse processo de redução do ritmo do comércio e que este acabe se tornando um sério lastro para o crescimento global.

O comércio mundial dá sinais de fraqueza segundo os últimos dados disponíveis, todos eles anteriores a que se começasse a adotar medidas protecionistas. O endurecimento da política monetária nos Estados Unidos e a consequente valorização do dólar colocaram em sérias dificuldades as economias emergentes financiadas em moeda norte-americana. A China continua reajustando seu inflado setor financeiro e sofre da incerteza do ruído protecionista. Já o Brasil, apesar do cenário externo menos favorável, continua registrando superávits em sua balança comercial. Nos quatro primeiros meses do ano, foram mais de 15 bilhões de dólares de superávit, segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Entretanto, o resultado foi 3,7% menor que o registrado no mesmo período em 2017, enquanto que as importações aumentaram 14,5%.

Por sua vez, a Europa surpreendeu desde o início do ano com números piores do que o previsto. Consequentemente, o comércio global está se ressentindo desde inclusive antes que se começasse a impor as tarifas. Em suas previsões desta semana, a Comissão Europeia afirma que o crescimento global está sendo menos sincronizado e revisou a baixa estimativa para a UE. “Apesar de a expansão europeia continuar sólida, acontece a um ritmo mais lento”, afirma.

De um lado, os analistas veem na Europa fatores transitórios, como o clima ruim no início do ano. Também redução na valorização do euro. Mas esses elementos já passaram. E ainda se observam sinais de maior queda do ritmo.

O BCE detecta um certo freio nas exportações e, em menor medida, no investimento. Segundo a Comissão, as exportações de bens e serviços na zona do euro para o resto do mundo contraíram-se 0,4% no primeiro trimestre depois de cinco anos de expansão. Além disso, o encarecimento do petróleo pesa. E uma vez refinanciadas as dívidas, as condições financeiras favoráveis que o BCE oferece já não acrescentam muito mais impulso agregado. No início, a economia europeia deveria ir aos poucos crescendo a ritmos mais lentos, mais próximos de seu verdadeiro crescimento potencial depois de ter evoluído acima graças à recuperação do emprego, das condições financeiras e do petróleo barato. “Em parte, reverteu-se a média natural depois de um ano muito positivo. Além disso, os dados do comércio intraeuropeu descreveram um V e já recuperam seus níveis”, explica Francisco Vidal, da Intermoney.

Mas o temor que se sente nas autoridades é que a guerra comercial cause danos. Tanto o BCE como o Banco da Espanha argumentaram que não são necessárias barreiras tarifarias generalizadas. Basta que as empresas percebam que terão problemas para que parem de investir. “O primeiro dado a vigiar para saber se o choque comercial está afetando é o investimento”, afirma Vidal.

Na Alemanha, a confiança empresarial sofreu um golpe em junho; os pedidos a empresas alemãs da China e EUA diminuíram, e as exportações alemãs para fora da UE recuaram em maio 6,4% anuais. Tudo isso aponta para um clima pior, que inclusive poderia ter feito estragos antes: “Não se descarta que parte da queda das exportações se deva a uma deterioração das expectativas com as discussões sobre as tarifas”, afirma um relatório do BCE. As ações em países e setores exportadores já exibem certo pessimismo. Os dados mais frágeis de produção industrial estão ligados a um recrudescimento da preocupação com o comércio, reconhece o Executivo da UE em suas previsões.

E agora tudo piora com o anúncio de Trump de tarifas de 10% para 200 bilhões de dólares em exportações chinesas. Acabou a era dourada do comércio? Em jogo também há fatores estruturais que estão se esgotando e que fazem o comércio mundial não ter previsão de recobrar o dinamismo de épocas anteriores.

Antes da crise, o comércio mundial vivenciou várias décadas de avanços acima do PIB. A redução dos custos das comunicações e a incorporação de China e Leste Europeu aos acordos de comércio internacional provocaram uma expansão rápida. As tarifas caíram e parte da produção se deslocou a enclaves onde a mão-de-obra era mais barata. Com o ingresso da China em 2001 à Organização Mundial do Comércio, 20% da população global entrou no mercado internacional, exercendo forte pressão para a queda dos salários e dos preços de bens manufaturados, como eletrônicos, apesar de também ter contribuído para um encarecimento das matérias-primas. Assim, a teoria dizia que os produtos ficariam mais baratos e que o emprego gerado em países avançados se realocaria para outros setores, como os serviços. Mas a globalização e a crise deixaram perdedores: a pobreza diminuiu muito no mundo, como recordam todos os organismos internacionais, mas os menos educados dos países ricos se sentem esquecidos. Daí a retórica protecionista do Brexit ou do presidente Trump.

Menos investimento

Antes da chegada de Trump já se observava uma parada brusca do processo de liberalização do comércio. O número de acordos comerciais despencou durante a última década, adverte o BCE.

E depois veio o problema do investimento. Um informe do FMI aponta que nos últimos anos um coquetel de falta de financiamento e investimento abafaram o comércio. Nessa linha também vai o ex-secretário do Tesouro norte-americano Larry Summers com sua teoria da estagnação secular: basicamente não se investe porque se prefere economizar, seja para a aposentadoria em uma sociedade envelhecida ou para reduzir o excesso de dívida. Também influi o fato de que haja perspectivas péssimas de aumento da produtividade, o que por fim se traduz em que compensa menos investir. E sem investimento fica complicado haver comércio.

Por fim, o desenvolvimento das grandes redes de fornecimento e montagem global também parou. Diversos relatórios apontam que o desenvolvimento dessas cadeias de valor podem ter chegado ao seu auge. Intimamente ligado a este fenômeno, na China houve alta dos salários e uma guinada para o consumo interno e os serviços. E os serviços sempre exigem menos trocas comerciais.

O risco da restrição da liquidez

A Comissão Europeia alerta em suas previsões econômicas que o conflito comercial coincide com um contexto em que a imensa liquidez proporcionada pelos bancos centrais começará a cair. De fato, o Federal Reserve dos EUA já deu início a uma política mais restritiva no início do ano passado. No entanto, as entidades financeiras norte-americanas continuaram durante o ano 2017 emprestando dólares ao exterior. Até que com a normalização monetária o dólar começou a valorizar e colocou em evidência os problemas de muitos países emergentes para pagar suas dívidas em moeda estadunidense.

Consequentemente, em 2018 os bancos norte-americanos cortaram seu financiamento em dólares fora dos Estados Unidos. “Um dos fatores que mais prejudica o comércio é a restrição da liquidez em dólares”, explica Alberto Matellán, economista chefe de investimentos da Mapfre. Isso implica que investimento, comércio e, portanto, a capacidade de crescimento, podem se ver restringidas.

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