Oposição turca ameaça a hegemonia de Erdogan nas urnas
Veterano presidente islamista enfrenta neste domingo as eleições mais incertas em 16 anos
As centenas de milhares de partidários reunidos na quinta-feira, dia 21, em Esmirna e na sexta-feira, dia 22, em Ankara pelo candidato socialdemocrata à presidência, Muharrem Ince, ganharam a companhia de mais meio milhão de pessoas no comício realizado em Istambul no sábado, dia 23, às vésperas da dupla jornada eleitoral fundamental à Turquia, que começou neste domingo às oito da manhã, hora local (2h da manhã de Brasília), em que o Parlamento também será renovado. Ince exibiu sua força política na campanha e pela primeira vez em três quinquênios oferece aos eleitores turcos expectativas reais de alternância. A dividida oposição se uniu para desafiar nas eleições legislativas a hegemonia nas urnas do imbatível Recep Tayyip Erdogan.
O veterano líder turco enfileirou desde 2002 as vitórias consecutivas do islamista Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP). Seu rival acredita que pode submeter o presidente a um incerto segundo turno em 8 de julho se não conquistar a maioria absoluta que o transformou há quatro anos no primeiro chefe de Estado da Turquia moderna eleito pelo povo.
“Erdogan se manteve no poder durante tanto tempo porque soube aglutinar o voto nos partidos conservadores que se alternaram em Governos de coalizão após o golpe militar de 1980”, diz o analista Üstün Ergüder. “Ele os despachou após o cataclismo econômico sofrido pela Turquia em 2001, e agora a oposição tenta aproveitar a crise monetária e o aumento da inflação para ir à forra”, afirma o professor de Ciências Políticas da Universidade Sabançi de Istambul. “Mas o país está melhor preparado do que à época para enfrentar reveses econômicos e o resultado das eleições está marcado por uma incerteza extrema”, conclui.
As pesquisas colocam Ince com aproximadamente 30% das intenções de voto, a mais de 15 pontos do mandatário islamista, mas com possibilidades reais de forçar um segundo turno em que pode conquistar o apoio do restante da população.
“Amanhã [hoje] será um dia completamente diferente”, Ince iniciou seu discurso em que se comprometeu a restaurar “a independência dos tribunais” e a “viajar a todas as capitais europeias para acelerar o processo de adesão à União Europeia”, praticamente congelado há uma década. Não economizou promessas populistas, como por exemplo transformar em museus e centros culturais “palácios utilizados por Erdogan”.
Nevin, jovem funcionária de uma consultora, não estava muito confiante no comício de Maltepe, na costa asiática de Istambul: “Queremos que Ince ganhe, mas Erdogan irá nos roubar as eleições”. O candidato pediu “vigilância e defesa das urnas” na apuração. Mas tudo indica que na batalha do comparecimento aos atos de campanha Ince já venceu o até agora imbatível Erdogan.
“Independentemente do que ocorrer nas urnas, o líder do AKP redefiniu o conceito de laicismo aos turcos e conseguiu com que os eleitores do interior da Anatólia deixassem de ser cidadãos de segunda classe, como aconteceu durante décadas sob o sistema kemalista de partidos”, diz a seu favor o professor Ergüder.
Nülifer, uma funcionária eleitora da esquerda que prefere não revelar seu nome real por medo de represálias, acha que as mudanças experimentadas durante os três quinquênios de governos islamitas na Turquia já são irreversíveis. “Aconteça o que acontecer nas eleições, no coração europeu de Istambul, em plena praça Taksim, uma grande mesquita está sendo construída. Enquanto isso”, apontou com o dedo o outro lado da explanada, “o centro cultural Atatürk já foi demolido”. Ao lado dos restos do edifício que abrigou a sede da ópera de Istambul o parque Gezi ainda continua de pé. Foi cenário em 2013 dos maiores protestos da população vividos sob os mandatos de Erdogan, quando a Prefeitura tentou destruí-lo para erguer um centro comercial.
Ince, de 54 anos, ousou desafiar Erdogan, de 64, em um momento de fraqueza política e econômica, e lhe roubou o arrogante discurso com o qual se conectava com as pessoas das ruas para marcar a agenda da campanha. “A Turquia precisa de serenidade, não um homem esgotado que só grita”, disse com língua afiada o candidato socialdemocrata às massas que o acamaram nas grandes cidades do país.
Fragmentação da oposição
Uma oposição fragmentada foi até agora a melhor garantia à continuidade de Erdogan no poder. Aceitou a formação de coalizões eleitorais para conseguir a maioria absoluta nas eleições legislativas com seus tradicionais aliados do Partido do Movimento Nacionalista (MHP, de direita), mas o tiro pode sair pela culatra.
O partido de Ince se associou com o partido da conservadora Meral Aksener, uma cisão do MHP, e com o minúsculo Partido Saadet (Felicidade, em turco) em que se entrincheiraram os islamistas que não quiseram seguir Erdogan no AKP.
Se o voto pró-curdo superar, como preveem as pesquisas, a casa dos 10% de votos no país que dá acesso ao Parlamento, o AKP terá muitas dificuldades em contar com maioria absoluta na Câmara. Mesmo que conquiste a vitória no segundo turno das eleições presidenciais, Erdogan pode ser obrigado a conviver com um Legislativo hostil que bloqueará as questões orçamentárias ao Executivo.
A lira turca, que a cada dia perde terreno diante do dólar e do euro nas casas de câmbio turcas, foi a autêntica protagonista da queda de Erdogan e dos islamitas nas pesquisas. A desvalorização da divisa nacional, que perdeu um quinto de seu valor em 2018 em relação às principais moedas, significou a maior força de oposição a um mandatário que pretende eternizar-se no poder.
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