_
_
_
_
Análise
Exposição educativa de ideias, suposições ou hipóteses, baseada em fatos comprovados (que não precisam ser estritamente atualidades) referidos no texto. Se excluem os juízos de valor e o texto se aproxima a um artigo de opinião, sem julgar ou fazer previsões, simplesmente formulando hipóteses, dando explicações justificadas e reunindo vários dados

Entre o exemplo e a lei

Façanha de Mamoudou Gassama revela ao mesmo tempo a consciência pesada da França e o estilo do seu presidente

Marc Bassets
O presidente francês, Emmanuel Macron, recebe o imigrante malinês Mamoudou Gassama.
O presidente francês, Emmanuel Macron, recebe o imigrante malinês Mamoudou Gassama.THIBAULT CAMUS (AFP)

Há episódios que revelam o momento de um país, com toda a sua história e sua consciência pesada, e a essência de um político, com suas virtudes e suas contradições. A façanha de Mamoudou Gassama, o imigrante malinês que no sábado resgatou uma criança de quatro anos pendurada na sacada de um apartamento em Paris, é um momento exemplar.

Primeiro porque humaniza os imigrantes sem documentos que, para milhões de franceses, são meras sombras fugidias: fugidios os imigrantes, e fugidios os franceses que desviam o olhar quando os veem estendidos na rua dormindo, quando circulam pela rodovia perto de seus acampamentos, ou quando eles entram no transporte público. A decisão de Gassama de escalar quatro andares, arriscando a própria vida, para salvar um ser humano indefeso é uma lição de humanidade óbvia, mas necessária, em um país onde um partido que assumiu como bandeira a rejeição aos imigrantes obteve mais de 10 milhões de votos um ano atrás.

O episódio também é revelador porque ilumina o manejo do poder – e a maneira de encená-lo – de Emmanuel Macron. É difícil recriminar o presidente francês pela rapidez com que reconheceu o heroísmo de Mamoudou Gassama, convidou-o para ir ao Palácio do Eliseu e decidiu regularizar sua situação na França e lhe conceder a nacionalidade. Mas o gesto de Macron serve para recordar que, se sua política de imigração fosse aplicada ao pé da letra – portas abertas para os solicitantes de asilo; expulsão para os sem-papéis – Gassama provavelmente seria deportado. O seu gesto é benévolo, e muito característico de uma república presidencialista – quase monárquica – como a francesa, centralizada e vertical em sua tomada de decisões: o rei decide abrir uma exceção para contornar a lei, a sua lei, criticada por alguns de seus próprios partidários por sua excessiva severidade com os indocumentados. E o mérito – o ato extraordinário do imigrante – prevalece sobre a norma.

Macron sabe reconhecer esses raros momentos em que um ato solitário pode congregar toda uma nação, e oferecer pelo exemplo uma lição de cidadania (outra coisa são as lições de política e legislação, mais complexas e menos aptas aos relatos heroicos). Ocorreu em março, quando o gendarme Arnaud Beltrame entregou sua vida durante um sequestro num supermercado perto de Carcassone, no sul da França. Daquela vez era o militar que arriscou a vida. Agora é o imigrante. E é assim – não só com leis no Parlamento e querelas políticas, mas herói a herói, lição a lição – que se constrói uma presidência, e um país.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_