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O mundo se une contra as picadas de cobra, outra grande doença mortal

OMS aprova resolução para agir contra envenenamentos provocados por répteis que matam mais de 70.000 pessoas por ano

Nyajinma, 6, foi mordida por uma cobra enquanto dormia no do Sudão do Sul.
Nyajinma, 6, foi mordida por uma cobra enquanto dormia no do Sudão do Sul.Alexandra Malm/MSF

Na Espanha, cerca de 130 pessoas são internadas todos os anos devido a picadas de cobra. Cada internação custa em torno de 2.000 euros (cerca de 8.566 reais) e as mortes por essa causa são pouco frequentes. Entre 1997 e 2009 foram registradas 17 mortes, quase todas porque houve muita demora para aplicar o tratamento. Como na Espanha, nos países mais desenvolvidos os animais venenosos não são um grande problema de saúde pública, mas a situação muda quando se observam as áreas rurais dos países tropicais.

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Um exemplo das dificuldades enfrentadas pelos habitantes dessas regiões é o de Nyajinma, uma menina de seis anos do Sudão do Sul. Uma cobra a mordeu enquanto dormia e a mãe carregou-a durante uma hora e meia até o posto de saúde mais próximo. Lá não havia tratamento disponível e mãe e filha tiveram de ir ao hospital que a ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF) tem em Agok, onde recebeu duas doses de um antídoto e começou a se recuperar. Muitas pessoas demoram muito tempo para chegar ao lugar onde recebem tratamento adequado e morrem no caminho, perdem algum membro ou ficam cegas.

As carências dos Estados e dos sistemas de saúde dessas nações dificultam o dimensionamento do problema. A Organização Mundial de Saúde (OMS) tentou fazer isso pela primeira vez em 1954. Estimou que entre 30.000 e 40.000 pessoas morriam em consequência de picadas de cobra em todo o mundo. Em 2016, uma nova compilação de dados da OMS atribuiu cerca de 79.000 mortes ao veneno de cobra, com 400.000 vítimas de problemas incapacitantes, como amputações ou cegueira. A esses danos é necessário acrescentar que muitas das centenas de milhares de vítimas de picadas sofrem um estresse pós-traumático semelhante ao das vítimas de acidentes de trânsito.

Para enfrentar essa ameaça, em junho de 2017 a OMS incluiu o envenenamento por mordida de cobra em sua lista de doenças negligenciadas. Na quinta-feira, durante a realização de sua 71ª assembleia, adotou uma resolução que inclui várias iniciativas para melhorar a situação nos países mais afetados.

O grande número de vítimas de picadas de cobra em países de baixa e média renda significa que, em muitos casos, elas não têm acesso a tratamentos muito caros. Um estudo realizado em Bangladesh em 2006 estimou que 75% das pessoas envenenadas gastaram suas economias com o tratamento e 60% delas precisaram tomar empréstimos para pagá-lo. De acordo com dados de 2010 e 2011 fornecidos pela OMS com base em uma análise dos países da África subsaariana, apenas o antídoto custa em média 124,7 dólares, podendo chegar até 640. Na Índia, o país com o maior número de casos de envenenamento por picada de cobra, o custo a longo prazo de sofrer uma picada pode chegar a 5.890 dólares. Isso significa que, além da toxicidade do veneno, as vítimas enfrentam uma toxicidade financeira.

O custo dos tratamentos faz com que muitos afetados tenham que gastar suas poupanças ou pedir empréstimos

A resolução da OMS pretende que os Estados membros facilitem o acesso a recursos como antídotos e a treinamentos em hospitais rurais de países pobres. Na parte farmacológica, a organização quer buscar modelos para incentivar a criação de produtos seguros e eficazes, algo complicado considerando que grande parte do mercado que se beneficiaria deles está em países com poucos recursos financeiros. Além disso, a produção de antídotos mais baratos, mas com poucos controles de qualidade, faz com que as empresas farmacêuticas que seguem padrões mais altos não possam competir.

Um exemplo deste problema é o que aconteceu com o Fav-Afrique, um antídoto de amplo espectro que cobre dez toxinas diferentes e é muito útil quando a pessoa que sofreu a picada não é capaz de identificar a cobra ou sequer a viu. Fabricado pela Sanofi, esse soro antiofídico considerado o mais útil na África Subsaariana, deixou de ser produzido em 2014 e o estoque acabou em 2016. A empresa explicou que a produção foi abandonada “em um contexto em que existiam outros produtores capazes de responder às necessidades mundiais”. Além disso, foi apontado o surgimento de produtos alternativos ao Fav-Afrique que tinham preços com os quais a empresa não podia competir. O medicamento custava entre 250 e 300 euros, um valor inviável para muitos dos cidadãos dos países afetados, que necessitavam de financiamento do Estado ou de ajudas de ONGs para recebê-lo.

O antiveneno mais eficaz na África subsaariana deixou de ser produzido em 2016 porque não era rentável para a indústria farmacêutica

Ao contrário do que aconteceu com as drogas contra o vírus da Aids, que podiam ser replicadas de forma idêntica, porém mais barata, os antídotos contra venenos de serpentes são medicamentos biológicos, mais difíceis de copiar. Julien Potet, especialista em doenças negligenciadas da MSF, diz que o Fav Afrique “talvez volte a ser produzido por uma empresa do Reino Unido, mas dentro de dois anos no mínimo”. Potet explica que “outros soros antiofídicos com perfil similar ao do Fav-Afrique podem ser encontrados no mercado”, mas que, dadas as particularidades dos produtos biológicos como os antídotos, “podem existir diferenças significativas entre os dois produtos que são parecidos”, como potências diferentes ou efeitos secundários diferentes. “O que estamos tentando fazer é avaliar outros soros antiofídicos parecidos com o Fav-Afrique para avaliar sua eficácia em nossos diferentes projetos na África Subsaariana”, explica.

Os antídotos neutralizam o efeito do veneno, mas não revertem o dano que este já causou à vítima. Para melhorar os tratamentos necessários até a recuperação do paciente, a OMS vai elaborar estratégias para melhorar os sistemas de saúde dos países, treinar profissionais de saúde, melhorar a distribuição de soro antiofídico e garantir que seja usado de forma segura. Em outras doenças tropicais, como a malária, algumas medidas preventivas relativamente simples, como mosquiteiros que mantêm afastados os mosquitos transmissores da doença, mostraram-se muito eficazes na proteção dos habitantes dessas regiões. Potet diz que os mesmos mosquiteiros serviriam para proteger meninas como Nyajinma durante o sono e que botas apropriadas protegem contra picadas de cobra.

Como representante da MSF, Potet comemora a adoção da resolução da OMS, o que significa que a partir de agora as “picadas de cobra estarão nas agendas de saúde nacionais e internacionais”. “Agora os governos precisam assumir compromissos concretos”, conclui.

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