_
_
_
_

Presidente de Portugal: “É preciso cultivar o diálogo na política”

Marcelo Rebelo de Sousa conta como o país saiu de uma de suas maiores crises financeiras

Mais informações
Esquerda portuguesa encontra a fórmula do sucesso econômico
Portugal, uma história de sucesso
Português inimigo da austeridade presidirá os ministros da Economia europeus

Professor constitucionalista, ministro, líder do Partido Social-Democrata, jornalista, conselheiro do Museu de Arte Antiga, católico, casado e separado, pai de dois filhos e avô de cinco netos, tudo isso e muito mais é "o Professor", Marcelo Rebelo de Souza (Lisboa, 1948), o presidente de Portugal, que obteve uma popularidade recorde de 88%.

Pergunta. Em março de 2015 o senhor chegou ao cargo com o voto da maioria absoluta dos eleitores. Dois anos em que aconteceu quase tudo em Portugal, do desastre bancário a presidir a ONU e o Eurogrupo [países que têm o euro como moeda]. Qual é seu balanço?

Resposta. Quando iniciei meu mandato a situação do país era difícil. Existia uma grande divisão na vida política portuguesa, com um debate sobre a legitimidade do Governo. O centro-direita considerava que tinha direito a governar porque havia vencido as eleições e a esquerda também porque tinham maioria parlamentar. Nesse ambiente muito perturbado, eu me perguntava sobre a continuidade do Governo, sobre a relação com Bruxelas e a reação dos mercados. Foram meses muito tensos. Olhando para trás, preciso dizer que dois anos depois o balanço é positivo: há estabilidade social e política, o mandato será cumprido, há uma estabilização progressiva do sistema bancário e ganhamos a credibilidade dos mercados financeiros.

P. Também ocorreram os incêndios mais trágicos da história.

R. De fato tivemos os incêndios de junho e outubro, um fracasso das instituições do país; também ainda existem desigualdades sociais entre os vários Portugais, mas foram atingidos objetivos globais importantes.

P. O senhor é um político do PSD que chega à presidência e se depara com um Governo socialista minoritário, apoiado pelo Bloco de Esquerda e o Partido Comunista. Como essa coabitação é possível?

R. O presidente não é uma personalidade partidarista; não pode estabelecer relações em função do tipo de Governo. Não posso me transformar em oposição dos governos nem em oposição da oposição.

P. Um de seus poderes é vetar leis. Já vetou sete. Não cria um mal-estar com os partidos e o Governo?

R. Faço tudo o que posso para evitá-lo. Não veto por uma opinião e oposição pessoal, mas porque entendo que minha razão corresponde a um senso coletivo generalizado.

P. O senhor vetou nada menos do que a lei de financiamento dos partidos (isenção do Imposto sobre Valor Agregado – IVA – e fim do limite às contribuições privadas).

R. Minha posição pessoal era totalmente contrária. Sou favorável a que, essencialmente, o financiamento dos partidos seja público, mas não vetei a lei por isso, mas porque não existiu o menor debate público que permitisse aos portugueses conhecerem as razões dessas mudanças. Quando voltou ao Parlamento e um dos pontos foi retificado, eu continuava contrário, mas já havia ocorrido um debate público e a assinei.

P. Também vetou a lei sobre maternidade assistida e alguns lembraram sua condição de católico.

R. Nesse caso, observei ao Parlamento que a lei não havia levado em consideração nenhuma das preocupações do Conselho Nacional de Ética. Os deputados incorporaram algumas delas, não todas, mas muitas relevantes e a assinei.

P. Sua popularidade está em 88%. O senhor é chamado de o presidente dos afetos.

O presidente de Portugal, em um momento da entrevista com EL PAÍS.
O presidente de Portugal, em um momento da entrevista com EL PAÍS.João Henriques

R. A política é feita com pessoas. A relação pessoal pode facilitar a política e para isso é preciso falar. Ao chegar, adotei o sistema de receber a cada dois meses partidos, sindicatos e patronais. Assim conheço o que eles pensam e eles conhecem o que eu penso. Sem tensão, em privado e sem períodos de crise. O diálogo constante acaba ajudando a melhorar o clima político. É preciso cultivar o diálogo.

P. A Europa está deixando que a China ocupe comercialmente a África e até a América Ibérica.

R. A Europa não pode se esquecer desses continentes, onde a Espanha e Portugal têm um conhecimento que outros países europeus não têm. Não é somente a língua e a cultura, são as relações humanas durante séculos. É preciso que a Europa antecipe as evoluções e aí nós, espanhóis e portugueses, temos muito a dizer. Costumo dizer que a parte com mais futuro de minha família, meus netos, está no Brasil. Antes era outro mundo, agora é o nosso. Todos os dias recebo notícias do Brasil como da Espanha, Portugal e outros países europeus. O que acontece no Brasil é como se acontecesse comigo; os americanos do norte não têm essa sensibilidade, mesmo sendo vizinhos.

P. Por que os ultranacionalismos ressurgem na Europa?

R. A Europa esteve por muito tempo em compasso de espera. É um dos riscos que precisamos encarar. Perdemos muito tempo em matéria de união monetária e bancária, em emprego, migrações e no fortalecimento da posição da Europa no mundo. Existe uma verdade básica: se há um vazio no espaço político e quem deve ocupá-lo não o faz, outro o ocupará. A indefinição europeia foi aproveitada pelos críticos à União Europeia. Não pode existir uma política europeia forte com sistemas políticos fracos de Estados membros. Em muitos casos os sistemas que temos não acompanham a evolução dos novos tempos.

P. Por enquanto, os que querem evitar uma Europa forte e unida parecem estar melhor organizados.

R. O contexto mundial não é fácil. Corremos o risco de voltar à Guerra Fria, com mais protagonistas em conflito e sem canais de comunicação. Na Guerra Fria anterior existiam regras e os canais informais entre os hemisférios permaneciam abertos. É preciso criá-los porque se cairmos em uma nova Guerra Fria não há nada pior do que a falta de comunicação. Isso significa que cada um não compreende o outro e nesse cenário um erro de percepção leva a um erro de ação, à precipitação. É preciso recriar canais de diálogo, é essencial.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_