‘The Square’, uma crítica ao mundo da arte na disputa pelo Oscar 2018
“Os museus protegem obras completamente estúpidas”, afirmou diretor do longa, Ruben Östlund
Em janeiro de 2015, o sueco Ruben Östlund (Styrsö, 1974) protagonizou um dos momentos mais egolatramente divertidos do cinema recente. Em um ato de soberba, decidiu gravar a si mesmo em vídeo, juntamente com seu produtor, em seu quarto do hotel Trump em Nova York durante a leitura das candidaturas ao Oscar. Seu Força Maior estava na pré-seleção de nove filmes, parecia fácil entrar no quinteto finalista. Durante os primeiros cinco minutos do vídeo (um sucesso do YouTube), ambos comem uma maçã e respondem a uma batida na porta. Chega sua hora e começam a escutar a leitura da lista. O primeiro nome que se ouve é o do filme polonês Ida (que semanas depois conquistaria a estatueta). Nenhum dos dois percebe que seu filme já está eliminado (a leitura estava sendo feita em ordem alfabética e o título original de seu drama era Force Majeure). Seguem atentos. “Falta um”, diz o produtor. Mas não, ninguém diz Force Majeure. Abraçam-se: “Estamos mortos”, dizem, com risos contidos. Eles somem da tela e começa o surto. Östlund tem uma crise nervosa, o produtor aconselha: “Respire, respire”. O diretor enlouquece, grita. Foge. “Desci para o Central Park, não podia acreditar naquilo. Tinham enchido muito a minha cabeça, eu me via com a estatueta”, recordou ele dois anos depois, dando risada. “Depois subi e pensei: ‘Não importa, vamos subir o vídeo’”. Voltará a fazer isso? “Gravar-me? Olha, voltarei sim. Os americanos adoram essas histórias de Cinderela, e eu contribuirei com esse toque dramático na próxima vez”, disse.
A pergunta é pertinente porque The Square: A Arte da Discórdia, seu trabalho seguinte, que ganhou a última Palma de Ouro em Cannes em 2017, é o grande favorito ao Oscar 2018 de melhor filme de língua estrangeira. É porque, entre outros temas, fala do ego na arte moderna, em um fácil paralelismo com o cinema. Seu protagonista, um pai divorciado com dois filhos (como Östlund), é o curador-chefe de um museu de arte moderna em Estocolmo que pouco a pouco cai em desgraça por sua ingenuidade, e através dele Östlund investe contra o politicamente correto, contra a impostura da arte atual − que se refugia em uma retórica enigmática diante de ataques externos −, contra o medo do outro, procurando incomodar o espectador.
“Vivemos momentos absurdos, como este da promoção de filmes, não é mesmo?”, disse, relaxado, em San Sebastián (Espanha), palco do festival do qual The Square participou na seção Pérolas. “Gosto de estar aqui porque assim podemos falar de Luis Buñuel, porque sua visão do surrealismo na vida cotidiana foi uma enorme influência para este filme. Na verdade, o título perfeito para The Square era O Discreto Charme da Burguesia, mas Buñuel já o usou. E Viridiana, tudo relacionado com os pobres, e como ele resolve aquilo. Que gênio! Adoro a falta de sentimentalismo do cinema de Buñuel. Meu mestre Roy Andersson [que ganhou em 2014 o Leão de Ouro em Veneza com Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência] herdou exatamente isso, e me influenciaram mais as palestras de Roy sobre Buñuel do que os próprios filmes de Buñuel.”
Östlund dispara a metralhadora cinematográfica contra a arte moderna e os museus: “É que essas instituições não têm nenhuma conexão com o que ocorre fora delas. Comportam-se de maneira protetora e elitista com obras completamente estúpidas. E ocorre a mesma coisa com o cinema. Se você não entende um filme obtuso em um festival, é porque é burro. Já nem discutimos o que é arte”. No início de The Square, uma jornalista entrevista o protagonista e lhe pergunta o que é e o que não é uma exposição. “E o texto, delirante, eu peguei de um ensaio real de um professor de artes. É como o conto da roupa nova do imperador. Fico fascinado com a trama econômica que sustenta a imbecilidade da arte moderna.”
Para jogar mais lenha na fogueira, The Square é o nome de uma instalação artística criada por Östlund e Kalle Boman em maio de 2015, um quadrado no solo transformado em santuário de confiança e humanidade: dentro dele não pode acontecer nada de ruim. “Confiar na sociedade é um valor fundamental na Suécia para sustentar nossa forma de vida. Hoje, em toda a Europa, estamos exagerando os medos em relação ao estrangeiro, ao outro, que não são reais e nos levam à paranoia. Muitos meios de comunicação e partidos políticos buscam o sensacionalismo ou criam um conflito para chamar a atenção.”
Em seu próximo filme, Östlund abandonará o jogo de um protagonista próximo a ele (“gosto que seja eu e, ao mesmo tempo, que não seja eu, porque assim reflito sobre o que qualquer um faria diante do que ocorre com ele”), mas não se afastará de seu estilo cortante. “Voltarei a combinar atores suecos e americanos, embora vá filmar por todo o mundo. Já tenho o roteiro do meu próximo projeto. Minha esposa é fotógrafa de moda, trabalha nesse mundo de modelos e beleza, com botox por todo lado. E vou mergulhar nesse universo com outra hierarquia social, regida por argumentos banais que contêm um valor econômico. Porque a beleza é uma loteria, não depende da gente. Além disso, quem decide se você é bonito ou bonita?”
A sequência do homem-macaco
Durante três dias, Östlund filmou a sequência na qual, em um jantar de gala no museu de arte moderna, um artista (na vida real, o americano Terry Notary, ator e coreógrafo) entra na sala imitando um macaco. Primeiro, ele provoca risos nos 300 convidados, todos de smoking e vestido de gala. Depois, quando se descontrola, provoca o terror. Será um dos momentos cinematográficos mais lembrados de 2017. "No fim da filmagem, eu, o produtor e o diretor de fotografia saímos juntos, e concluímos que tínhamos algo bom, que tínhamos conseguido, pelo menos nessa sequência. Terry é um gênio, tornou tudo fácil. E todo mundo se conectou com o sentimento de estranhamento."
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