“Não acredito que o fogo da Chapada dos Veadeiros tenha sido criminoso”, diz prefeito
Prefeitura de Alto Paraíso extinguiu a Secretaria de Meio Ambiente enquanto incêndio arrasava parque
Os bombeiros já foram embora da região da Chapada dos Veadeiros, após a chuva e os esforços das equipes contra incêndios conseguirem controlar o grande fogo que durante quase 20 dias queimou 65.000 hectares do Parque Nacional. Nas pequenas cidades da chapada fica agora a preocupação pelos estragos ambientais e por uma possível queda do turismo, a sua principal economia, além de algumas polêmicas políticas pela atuação das autoridades.
Entre as equipes responsáveis por apagar o fogo e os grupos de voluntários foi muito comentada a decisão tomada pela Prefeitura de Alto Paraíso de Goiás, o principal município da região, de extinguir a Secretaria de Meio Ambiente e uni-la à de Agricultura. A Prefeitura tomou o acordo o dia 24, enquanto as imagens do incêndio florestal geravam um forte impacto em todo o Brasil. "Isso é colocar a raposa e as galinhas no mesmo galinheiro", critica Luis Paulo Veiga, dono de uma pousada na cidade e um dos membros de Mandato Coletivo, candidatura popular cujo vereador foi o único que votou contra a decisão do prefeito, Martinho Mendes (PR). "Tem fazendeiros bons e ruralistas bons, mas a política ruralista é contra o meio ambiente", insiste Veiga, que, como muitos outros moradores da região, acredita que a origem do fogo está nessa tensão entre a proteção ambiental e os interesses do agronegócio. A Polícia Federal abriu um inquérito para determinar se o incêndio foi causado pela ação humana.
Em entrevista ao EL PAIS, o prefeito discorda das pessoas que veem por trás do fogo algum intuito econômico e diz que a extinção da Secretaria de Meio Ambiente não vai prejudicar a política de defesa do Parque Nacional. "Projeto de lei que reduz a estrutura administrativa da Prefeitura estava planejado há tempo e tem por objetivo principal a contenção de despesas. Alto Paraíso é um município pequeno, com 7.000 e poucos habitantes, e nós tínhamos uma estrutura de seis secretarias .O que nós fizemos foi voltar a uma estrutura que já tinha antigamente onde as secretarias de Meio Ambiente e Agricultura eram uma só", diz Martinho Mendes. O prefeito não enxerga conflito nenhum entre as duas pastas: "São complementares. Agricultura não vai sobreviver sem meio ambiente e o meio ambiente convive com a agricultura. Agricultura faz parte do meio ambiente, foram interesses conflitantes do homem o que levaram a essa divergência. Aqui tem uma pequena parte de agricultura industrial mais avançada. Mas a maioria são pequenos agricultores que fazem uma agricultura sustentável, de forma responsável. A maior parte do município, mais de 60% , está preservado ou é dessa pequena agricultura".
Mendes prefere falar de fatores ambientais – especialmente a pior seca em 80 anos, que deixou a Chapada dos Veadeiros sem uma gota de água por quase meio ano – antes de levantar hipóteses sobre a possível origem criminosa do incêndio. Ele explica que a longa estiagem e a presença de uma grande massa vegetal seca "deixou tudo muito vulnerável". Segundo o prefeito, na tentativa de barrar o incêndio as equipes de extinção acabaram às vezes causando mais fogos: " Nós não temos nada que confirme que realmente o incêndio tenha sido criminoso. Vários focos foram acontecendo porque tentaram fazer uma prática de fogo contra fogo, e dado o tempo muito seco, com muito vento, isso acabou por encadear com outros focos. Talvez o primeiro foco, na margem da rodovia que atravessa o parque, tenha sido criminoso. Mas os outros eu acredito que não".
As notícias sobre o fogo se espalharam por todo o Brasil até conseguir uma reação solidária com doações de dinheiro que chegaram a meio milhão de reais e o apoio de importantes celebridades do país. O prefeito diz que está muito satisfeito com a reação do povo da Chapada, o qual se mobilizou para dar apoio logístico às equipes de extinção do incêndio e "mostrou que somos uma sociedade pequena, mas com uma sociedade civil muito organizada".
Martinho Mendes, porém, opina que as redes sociais exageraram o tamanho do desastre: "O que disseram nas redes sociais foi até além do estrago que realmente possa ter acontecido. Na cidade não houve danos, nenhuma casa foi atingida. A parte mais atingida foi a do Parque Nacional, mas outros pontos de visitação da cidade continuam preservados. No início ficou como se fosse um incêndio generalizado, o que na verdade não foi".
Outra das críticas que Mendes tem recebido foi o fato de não declarar a situação de emergência até o dia 23 de outubro, 12 dias após começado o fogo. O prefeito responde que os que falam assim "não têm conhecimento da situação”. Segundo ele, “a ação nossa seguiu um critério técnico, orientado pelo próprio pessoal do ICMBio, do IBAMA, e também dos dados do próprio corpo de bombeiros". "É muito fácil fazer comentários nas redes sociais, mas sem nenhuma fundamentação técnica. A partir do momento que nós decretamos o estado de emergência, todas as forças se mobilizaram rapidamente para conter o incêndio", defende
Por decisão do Governo Temer, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros quase quadruplicou sua superfície no julho passado, ao ser ampliada de 65.000 a 240.000 hectares. Algumas pessoas que têm suas terras dentro dos novos limites ficaram insatisfeitas, e entre as especulações sobre as possíveis causas do incêndio muitos assinalaram esse desconforto dos moradores. Mendes se esquiva de fazer essas conexões, ainda que explica que uma das suas grandes preocupações agora é procurar uma solução para os afetados pela ampliação. “O parque foi criado por volta dos anos de 1960 e há pessoas que foram tiradas de suas áreas e ainda hoje não receberam a indenização devida”, comenta. “Tem famílias que se encontram aqui na cidade de Alto Paraíso, já de bastante idade, em uma situação social praticamente de penúria. E agora está acontecendo de novo. Tem também pessoas que ficaram insatisfeitas com a forma como foi feita essa ampliação. Elas estão lá há mais de 100 anos e nem sequer foram indenizadas porque não têm a titulação da propriedade". Mendes cobra do Governo um "plano devido de indenizações" e também moradias para as pessoas que vão ter que abandonar o parque, porque "são pessoas que sempre viveram da agricultura e não se adaptam facilmente à cidade".
Além das questões ambientais – ainda será avaliado o impacto do fogo sobre as nascentes de água, por exemplo –, o outro foco de maior preocupação para a Prefeitura é o turismo, "o nosso carro chefe", salienta Mendes. Nos últimos dias houve muitas reservas canceladas e os empresários temem o "esvaziamento da cidade".
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.