A vitória da intolerância
A vitória da extrema-direita no Parlamento alemão é mais um sinal claro de que os que defendem princípios humanistas estão perdendo espaço no mundo
Embora pareça distante, o trágico resultado das eleições na Alemanha, que terá, pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial, representantes da extrema-direita no Parlamento, é mais um sinal claro de que os que defendem princípios humanistas estão perdendo espaço no mundo. E isso, certamente, afeta até mesmo os países periféricos como o Brasil, onde seus sintomas já podem ser observados por meio do crescimento das pré-candidaturas de nomes como o fascista Jair Bolsonaro e o arrivista João Dória.
A Alternativa para a Alemanha, que ficou em terceiro lugar nas eleições com 12,9% dos votos, o suficiente para eleger 90 dos 631 parlamentares, baseou sua plataforma em um discurso islamofóbico e anti-imigração, exaltando valores do passado nazista. Alexander Gauland, um dos líderes do partido, não esconde seu entusiasmo e admiração pelo presidente norte-americano Donald Trump, colocado no poder por uma parte da população dos Estados Unidos que já não tem vergonha de sair às ruas para defender ideias de supremacia branca e antissemita.
Uma das várias singularidades da Arte é sua capacidade de antecipar a História. Em outubro de 2015 estreou o longa-metragem Ele está de volta, de David Wnendt, baseado em um romance de Timur Vermes. O filme, misto de ficção e documentário, mostra Adolf Hitler acordando em 2014 na Alemanha e, confundido como sósia do ditador nazista, ser usado em campanhas de publicidade que fazem enorme sucesso na internet. Só que ele aproveita esta visibilidade para divulgar suas ideias extremistas que, pouco a pouco, conquistam a simpatia da população – o mais catastrófico é que várias imagens captadas pelo diretor, de exaltação ao nazismo, são reais...
Muito antes, em 2006, o cineasta britânico Sacha Cohen havia mostrado os rincões dos Estados Unidos, no longa-metragem Borat, o segundo melhor repórter do glorioso Cazaquistão viaja à América”. Ali, sem saber que se tratava de um falso documentário, o diretor conseguia arrancar de pessoas comuns confissões de antissemitismo, racismo contra negros, latinos e muçulmanos, e de nostalgia por um Estados Unidos forjado pela intolerância da pregação da Ku Klux Klan. Tudo aquilo, enfim, que viria à tona dez anos depois com a subida de Trump ao poder.
Mas o autoritarismo não se limita, infelizmente, a esses exemplos. Contrapondo-se a Trump pela paranoica preponderância política mundial encontram-se o ex-chefe da KGB soviética, o exibicionista presidente russo Vladimir Putin; a discreta burocracia ditatorial chinesa, hoje representada por Xi Jinping; o radicalismo fundamentalista que não se limita às pregações do Estado Islâmico, existindo em vários estados constituídos da África e da Ásia; e aqueles vários patéticos regimes de força, chamados Coreia do Norte “comunista” ou Venezuela “bolivariana” ou Myanmar “budista”.
Os indícios de que o discurso sectário vai se consolidando como preponderante no mundo é um péssimo sinal de que falhamos como seres humanos. A nossa versão tupiniquim para o autoritarismo alicerça-se sobre os traumas de uma sociedade assustada com a violência urbana, acossada pelo desemprego, indignada com a corrupção, desprezada pelo Estado e marcada culturalmente por um viés machista, racista e homofóbico. Um cenário bastante favorável à disseminação de ideias extremistas.
A pré-candidatura do deputado Jair Bolsonaro amplia sua aceitação junto à opinião pública evocando “valores” da ditadura militar – entre eles, a defesa da tortura, que é um crime contra a Humanidade, do nacionalismo e da não aceitação do pensamento divergente. Já a pré-candidatura do prefeito de São Paulo, João Dória, infla-se como uma biruta, aquele aparelho que gira de acordo com a direção do vento. E o vento agora aponta para o moralismo, o conservadorismo, a intolerância. Aliás, o caminho que desemboca nessa estrada vem sendo terraplenado pela sociedade brasileira desde quando saiu às ruas para derrubar a presidente Dilma Rousseff e colocar em seu lugar o nosso próprio patético representante, Michel Temer. São tempos obscuros, esses.
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