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O macaco apertou o botão, mas os direitos autorais não são seus

Julgamento sobre direitos de uma selfie que um macaco tirou termina com um acordo entre as partes

Tommaso Koch
A sefile de Naruto, em 2011
A sefile de Naruto, em 2011WIKIMEDIA

Naruto sorriu. E apertou o botão. Clique. Ainda não se sabe por que o macaco teria se aproximado da câmera que o fotógrafo David Slater tinha deixado sobre um tripé. Mas a verdade é que a tocou e disparou. Assim, o macaco conseguiu fazer um selfie. Como milhões de seres humanos. Embora, claro, seja um animal. Nem Naruto nem qualquer cérebro humano, de qualquer forma, poderia imaginar que, naquele dia de 2011, começaria uma história de seis anos, debates, ações judiciais, falências e milhares de euros que, da selva da Indonésia, terminaria diante de um tribunal de San Francisco.

Na segunda-feira, o julgamento do recurso entre Slater e a organização PETA (que defende um tratamento mais ético para os animais), que reivindicava em nome do macaco sua autoria sobre a imagem, terminou com um acordo: o fotógrafo doará 25% da renda futura gerada pela foto para organizações que protegem Naruto e outros macacos-de-crista da Indonésia.

“PETA e David Slater concordam que este caso levanta questões inovadoras sobre a expansão dos direitos legais para os animais, um objetivo que ambos apoiam e para o qual continuarão trabalhando”, disse um comunicado conjunto após o encerramento do julgamento. A mídia norte-americana e britânica tentou, sem sucesso, entrar em contato com Slater para perguntar quanto dinheiro os direitos do selfie renderam. A PETA reproduziu ao EL PAÍS as palavras de seu conselheiro-geral nos EUA, John Kerr: “O caso gerou uma discussão internacional sobre a necessidade de estender os direitos fundamentais aos próprios animais, e não em relação à forma como os humanos podem explorá-los. Graças ao acordo, as vendas das fotos tiradas sem dúvida por Naruto ajudarão a protegê-lo e apoiá-lo, a sua comunidade de macacos e seu lar na Indonésia”. Para quem quer visitar a reserva de Tangkoko, com certeza encontrará Naruto.

No entanto, este longuíssimo périplo traz, com seu epílogo, um dilema: os animais teriam direitos autorais? “Não, a lei esclarece que apenas uma pessoa natural é considerada criadora de uma obra”, responde o advogado Andy Ramos. Especialista em direitos autorais, ele explica que existem exceções para pessoas jurídicas, mas não para um animal. “Mesmo que um elefante pinte um quadro, não tem propriedade intelectual sobre ele”, acrescenta. Excluindo o macaco, Ramos acredita que Slater também não é o autor da foto, pois não a tirou: a imagem pertence ao domínio público, de acordo com o advogado.

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O fotógrafo, por outro lado, publica um amplo relato em seu site, onde atribui a si “o famoso selfie do macaco”. Em 2011, Slater viajou à ilha indonésia de Sulawesi e passou três dias fotografando os macacos-de-crista da reserva de Tangkoko.

Empenhou-se principalmente em tirar fotos dos macacos de perto com uma objetiva grande-angular. Não havia, no entanto, maneira de conseguir o que queria: “Algo os incomodava”. Então, o fotógrafo freelance mudou de estratégia: configurou a câmera com o autofoco, a deixou em seu lugar, se afastou e esperou que os próprios macacos se aproximassem e se imortalizassem por conta própria. Naruto mordeu a isca. “Não foi algo casual, foi preciso muita perseverança”, Slater disse ao jornal The Guardian há dois meses, assim que começou o julgamento do recurso.

O criador acrescentou que não podia comparecer perante o tribunal em San Francisco nem comprar uma câmera para substituir a que havia quebrado ou pagar o advogado que o defendia. Dizia que estava arruinado e que pensava em começar a trabalhar como “passeador de cães”. E isso mesmo com a foto de Naruto tendo sido compartilhada durante anos por milhões de usuários e sites em todo o mundo. O macaco era uma celebridade e podia-se pensar que Slater estava com a vida ganha graças aos direitos autorais. Nada mais longe da realidade.

Seu site, onde o fotógrafo oferece um link para o envio de doações e vende o selfie, autografado por ele mesmo, a partir de oito euros (cerca de 30 reais), fornece uma pista sobre sua situação. Slater publicou pela primeira vez a imagem, juntamente com outras, no livro Wildlife Personalities, em 2014. No entanto, pouco depois, encontrou a foto on-line, em blogs e sites como a Wikipedia. Pediu para ser retirada, mas recebeu uma e outra vez a mesma resposta: o macaco havia tirado a foto sozinho e, portanto, pertencia ao domínio público. O Escritório de Direitos Autorais dos EUA decidiu então que os animais não tinham direitos autorais.

Mas podiam, pelo menos, recorrer aos tribunais. E Slater descobriu, alguns meses depois, que um macaco havia iniciado um processo contra ele. Por trás estava a PETA, que havia identificado Naruto como o autor da foto e decidiu defender seus direitos. O julgamento levantou polêmicas e inúmeras questões éticas e legais, cômicas talvez para alguns, mas, ao mesmo tempo, muito sérias. Naruto teria direito a todas as receitas com a imagem? Como um macaco recebe uma notificação por escrito de um julgamento? Uma vez que o macaco esteja morto, os direitos passarão para seus herdeiros? Qual deles seria legítimo ou ilegítimo? A PETA poderia assumir sua defesa? E, além disso, Naruto era realmente o famoso macaco do selfie? Porque, de acordo com Slater, era uma fêmea, que tampouco tinha 6 anos.

Em 2016, o juiz determinou que a Lei de Direitos Autorais (Copyright Act) não abrange os animais. A PETA recorreu, e em julho o caso do selfie do macaco voltou à Justiça. Desta vez, antes que o tribunal respondesse, houve acordo entre as partes. Aparentemente, todos contentes. Slater e Naruto, agora, sorriem juntos.

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