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Guerreiras, aventureiras e... mulheres

Personagens femininos de games evoluem da sexualização para a representação

Imagem das duas protagonistas de 'Uncharted. The lost legacy'.
Imagem das duas protagonistas de 'Uncharted. The lost legacy'.

Este ano de 2017 está sendo fundamental para os videogames. É o ano em que se lançou o novo Zelda, um jogo revolucionário que irá mudar para sempre a forma como enxergamos os mundos abertos. É o ano em que a Nintendo Switch mostrou que os usuários não estão procurando mais por potência, e sim por qualidade. É o ano em que se publicaram os primeiros AAA indie, games como o espanhol Raiders of the broken planet ou Hellblade (também com um espanhol no comando do visual), que apresentam o mesmo nível de espetáculo de uma superprodução, mas com um visual muito mais ousado artisticamente. E é o ano em que as mulheres heroínas se consolidam, indo muito além da sexualização ou do papel coadjuvante da donzela em perigo.

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Ainda há, porém, muito trabalho pela frente. Uma amostra disso foi o assédio sofrido pelas organizadoras do evento Gaming Ladies por terem tudo a ideia de organizar um encontro apenas para mulheres a fim de falar sobre os games. Duas das fundadoras da femdevs, associação que procura dar visibilidade ao trabalho das mulheres como criadoras de games, afirmam no festival Celsius 232 que não se trata de segregar os homens, mas de criar espaços de confiança onde as mulheres possam, aos poucos, se sentir seguras falando sobre o seu apego aos games.

A palestra, com efeito, começou com uma declaração de intenções bastante insólita para um coletivo: “O que nós queremos é não existir. Chegar a um ponto em que não seja mais necessário haver uma associação como esta”. Anita Sarkeesian, conhecida youtuber feminista que analisa como as mulheres são representadas nos games, lembrou que o percentual de jogos que têm mulheres como protagonistas ainda é mínimo: 9% de todos os que foram lançados no último E3. Apesar disso, ela admite que os ventos da mudança caminham em boa direção, já que essa taxa é três vezes superior à de 2016.

Neste texto, lembrando as declarações de seus criadores sobre como moldaram seus personagens, retratamos as mulheres de games que nos fascinaram em 2017. São arqueólogas, mercenárias, fotógrafas e guerreiras. Mas todas são, antes de mais nada, mulheres.

CHLOE FRAZER E NADINE ROSS (UNCHARTED THE LOST LEGACY, NAUGHTY DOG)

Elas não são amigas. Nem sequer se dão bem uma com a outra. Mas precisam aprender a se suportar pois compartilham um mesmo objetivo: encontrar a presa de Ganesha. A saga Uncharted, depois de ultrapassar os nove milhões de jogos de seu quarto episódio, promoveu uma virada total ao abrir mão de seu protagonista, o Indiana Jones pós-moderno Nathan Drake. Ao longo da aventura, Chloe e Nadine desenvolvem algo mais sólido do que a amizade: um companheirismo que só acontece em situações de vida ou morte. Elas também falam, em várias conversas, que o jogador pode decidir escutar ou não, sobre momentos em que o seu valor foi julgado pelo fato de serem mulheres. O Naughty Dog, que já ousou colocar em cena um beijo de duas adolescentes, volta a mostrar que é um estúdio que está na vanguarda do amadurecimento dos games em sua vertente mais espetacular.

Citação: “Não nos propomos a fazer personagens segundo essa ou aquela tendência da sociedade. Creio que jamais tivemos medo de assumir riscos, e essas são duas mulheres cuja química sabíamos que ia funcionar”

SENUA (HELLBLADE, NINJA THEORY)

Nessa seção, Ian Dallas, diretor de What remains of Edith Finch, dava uma manchete: “Videogames são ideias para falar sobre a morte”. Outro jogo deste ano, Hellblade, acredita que eles são ideias também para falar sobre a loucura, a loucura de uma mulher: Senua. Essa guerreira celta se transforma em um Dante feminino obrigado a explorar o tártaro da mitologia nórdica atrás de seu amado, Dillion. Todo o empenho audiovisual de Hellblade tem como centro a ideia de transmitir ao jogador a doença mental da protagonista, como ela expressa seus medos mentais e os transforma em monstros de verdade. O esforço do Ninja Theory para registrar esse processo, assessorado por neurologistas, psiquiatras e pacientes, constitui um marco na história dos videogames. E oferece o retrato de uma de suas mulheres mais complexas, uma heroína presa de sua psicose.

Citação: “Consultamos os neurocientistas mais importantes do mundo e organizações sem fins lucrativos para retratar adequadamente a experiência da psicose e seus efeitos devastadores sobre a mente humana”.

ALOY (HORIZON ZERO DAWN, GUERILLA GAMES)

As duas maiores superproduções do console líder do mercado, o PlayStation 4, são protagonizadas por mulheres. Aloy, a protagonista de Horizon Zero Dawn, é uma guerreira perdida em um futuro remoto no qual a humanidade teve de retornar à pré-história. Aloy tem de enfrentar seu desenraizamento, ao mesmo tempo em que soluciona o mistério do passado da humanidade. O que levou a esse tamanho retrocesso da civilização? Embora o contexto épico seja o motor da trama, a profundidade do personagem, sua ambiguidade entre o desejo de ser aceita e a desconfiança de alguém que foi ferido, é o que há de mais marcante nessa história.

Citação: “Não se trata de uma heroína que se possa definir pelo seu gênero, por ser mulher. O que a define é ter nascido como uma pária. E também o quanto ela é excepcional como caçadora. Que, além disso, ela seja uma mulher, é um aspecto importante, mas não é o único nem o mais essencial para defini-la”.

CHLOE PRICE (LIFE IS STRANGE, BEFORE THE STORM, DECK NINE)

Se a TV tem Laura Palmer, o videogame tem Rachel Ambers. Essa jovem, desaparecida durante o já clássico Life is strange, é o epicentro de uma história que, na verdade, fala de outras mulheres. Na primeira série, a protagonista era Maxine Max Caulfield, uma jovem aspirante a fotógrafa. Nesta segunda, que em matéria de tempo constitui um pano de fundo da história, o foco está em uma das grandes coadjuvantes da primeira temporada: Chloe Price, a jovem dura e punk fortemente ligada a Rachel Ambers. Life is strange, Before the Storm é uma ode à adolescência vivida como uma etapa difícil e às nuances que definem as contradições de toda pessoa.

Citação: “A vida é difícil para Chloe, que se rebela contra o mundo e não consegue fugir das consequências de suas decisões”.

EDITH FINCH (WHAT REMAINS OF EDITH FINCH, GIANT SPARROW)

Edith que voltar para casa. É o último fruto da árvore familiar. Todos os outros morreram. Sua mãe foi a última. Entrar no casarão familiar, uma mansão impossível, com uma estrutura esquisita, que cresce para o alto sem parar, significa mergulhar nas lembranças terríveis, insólitas e belas de sua família. Giant Sparrow, tendo Lovecraft e García Márquez como referências, obteve sucesso de crítica e de público explorando a morte pelos olhos de uma jovem adolescente que leva o jogador a descobrir a si mesmo, a falar de si mesmo, da história de sua família.

Citação: “O que nós pensamos foi: sobre o que Edith poderia falar quando você entra em um quarto que se faz sentir como algo que você está esperando e não como uma voz cochichando no seu ouvido alguma coisa com que você não se identifica?”.

IDEN VERSIO (STARWARS BATTLEFRONT II, DICE)

Quando Luke sonhava nas areias de Tatooined em ser um piloto rebelde, Iden Versio sonhava com algo parecido, do outro lado. Versio cresceu em Vardos, utopia do Império, com uma meta muito clara: ser igual ao seu pai. Se o jovem Skywalker viveu ignorando quem foi Anakin Skywalker, Versio vive à sombra de seu progenitor, almirante da frota imperial. Tudo o que ela quer é seguir os seus passos. Essa heroína singular, ao menos do seu ponto de vista, promove uma verdadeira virada em Star wars com Battlefront II, a esperada continuação que chegará até o fim do ano e que permitirá reviver, da perspectiva do Império, os fatos e batalhas fundamentais que unem as duas trilogias. Escolher uma mulher como protagonista é uma declaração de intenções coerente com a nova saga de filmes, que tem como heroína a aspirante a jedi Ray. A atriz que a interpreta, Janina Gavankar, virou a estrela da E3 –maior feira de videogames, realizada anualmente em Los Angeles--, graças ao seu carisma magnetizante.

Citação: “Toda vez que alguém me pergunta qual é o papel dos meus sonhos, eu viro os olhos. Pois é este. Sempre defendi a indústria de games, especialmente quando se privilegia a narrativa. Portanto, para mim, estou no centro de toda a felicidade que há no mundo”.

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