Você tem medo de avião? Realidade virtual promete acabar com fobias
Tecnologia desponta como alternativa que se soma ao tratamento de fobia de voar e outros transtornos
Decolamos há alguns minutos. As nuvens, do outro lado da janela, pressagiam chuva. Os dois jovens, um homem e uma mulher, sentados ao lado, parecem assustados. A aeromoça fala no sistema de som: “Estamos atravessando uma zona de turbulências”. O avião treme. Muito. Chove.
A cena é turbulenta, mas se passa dentro de um consultório e não em uma aeronave. O assento do avião, na realidade, é uma poltrona e, logo em frente, não há o corredor de um avião, mas o olhar, por trás de um par de óculos, da psicóloga Luciana Moretti. Tudo acontece em um pequeno escritório de Rivas-Vaciamadrid, uma cidade a poucos quilômetros de Madri.
Para ir do consultório psicológico ao cenário turbulento do avião é preciso apenas de um celular, um óculos de realidade virtual e um aplicativo, o Psious, que Moretti aciona do computador. Há um ano, a psicóloga projeta nos óculos de realidade virtual, aos quais se adapta o smartphone, cenários pavorosos para pacientes que sofrem de fobias. São terraços altíssimos, auditório sufocantes, fregueses de um bar exigindo seus pedidos, vagões de metrô lotados, elevadores e aranhas.
Mas durante a terapia, claro, não se sente só medo. Assim que se coloca o óculos de realidade virtual, aparece uma espécie de jardim em que um figura levita. A imagem, tranquilizante, serve para auxiliar em uma espécie de escaneamento corporal do tratamento. A curva biológica que resulta da análise é plana, o que indica relaxamento – de tal ordem que dá até vontade de fechar os olhos.“Na minha experiência, o mindfulness e a realidade virtual encurtam a terapia de ansiedade”, observa a psicóloga.
Um de seus pacientes, um homem de 53 anos, a que chamaremos de Ángel, figura nos 7% de pessoas que padecem de uma fobia específica. Ele vive na pele um cotidiano estressante e está usando a terapia que realiza há alguns meses com Moretti para enfrentar situações de pressão. “Tenho dois problemas”, diz, “fobia de aviões e de espaços fechados, como o metrô”. Ángel já tentou a hipnose, o que funcionou bem para ele, mas, ainda sim, quis experimentar outra coisa. “Trabalho na área de informática e acredito na tecnologia. Esta terapia me convenceu porque você se expõe ao que te dá medo sem estar realmente ali. Te permite saber quais são as situações que produzem mais ansiedade. No meu caso, por exemplo, é o momento em que se fecham as portas”, explica. “Então, começo a suar e me sinto mais ansioso.”
Ángel, ainda em tratamento – “com meu ritmo de vida não posso ir mais de duas vezes por mês”, diz –, notou uma melhora evidente. “Antes evitava um túnel para ir ao trabalho, agora, passo por ele.”
Para tratar esse tipo de fobia, chamada de específica, os terapeutas confiam em dois pilares: fazer a pessoa enfrentar o que lhe causa esse medo irracional (a chamada exposição in vivo) ou lhe pedir que o imagine (dessensibilização sistemática). “A realidade virtual é o mais parecido ao primeiro, em que você coloca a pessoa no cenário que lhe provoca a fobia”, diz o chefe de serviço de Psiquiatria do Hospital Gregorio Marañón, de Madri, Enrique García Bernardo, “mas é mais controlável”. Desse modo, o profissional pode conduzir a experiência de seu paciente. Moretti também destaca isso. “Permite modular o grau de exposição e interromper o teste em função da reação que se tenha.”
O desenvolvimento do aplicativo Psious começou com o medo de avião – uma das fobias mais frequentes – de um barcelonês chamado Dani Roig. “Começamos a buscar soluções, como visitar um terapeuta”, conta seu amigo Xavi Palomer.
Dezenas de estudos e revisões avaliam o uso desta técnica imersiva igualando-a em eficácia à terapia de exposição. No caso da fobia a aviões, medo de falar em público (os que foram submetidos a tratamento com realidade virtual o abandonaram em menor medida) e de enfermidades relacionadas com o estresse (estresse pós-traumático, dor patológica, transtornos de adaptação) melhoravam levemente os resultados dos tratamentos convencionais. Comparando este tipo de terapia com outras por meio de um computador com terapeuta ou autoadministrada, os pacientes a preferiam.
O desafio era tornar essa experiência acessível e portátil. Roig e Palomer embarcaram na criação do Psious há três anos e meio para conectar o software, os óculos, o celular e os sensores. “Dani se curou antes de lançarmos a plataforma”, diz Palomer, diretor da empresa. “Com a realidade virtual, uma pessoa pode pegar um avião até 20 vezes por dia”, acrescenta. “Além disso, o programa pode adaptar as simulações segundo as necessidades do paciente.”. A plataforma tem um custo para os terapeutas de 29 euros (108 reais) por mês.
Como Moretti, 400 terapeutas utilizam o Psious em suas consultas, além de cinco hospitais públicos de toda a Espanha e o Serviço Murciano de Saúde, segundo os dados da empresa. Entre as instituições que o usam está o Vall d’Hebrón, de Barcelona, testando-o em pacientes com Transtorno por Déficit de Atenção com Hiperatividade. As universidades Stanford e UCLA o utilizam em ansiedade infantil e em combinação com fármacos, respectivamente.
Do 11 de setembro à fibromialgia
A realidade virtual foi testada em várias enfermidades psicológicas. Por exemplo, para os afetados por estresse pós-traumático. Em funcionários dos serviços de emergência que trabalharam no atentado das Torres Gêmeas em Nova York foram obtidos bons resultados. Foi usada até mesmo em casos de fibromialgia. Um estudo-piloto realizado em 2013 por um grupo espanhol dirigido pela psicóloga e professora Cristina Botella, da Universidade Jaume I de Castellón, destacou a melhora a longo prazo da dor e da depressão. Outro trabalho posterior ressaltou os benefícios na percepção da qualidade de vida, mais que nessas situações citadas. A psicóloga Luciana Moretti destaca também os benefícios desses mundos imersivos para a dor crônica: “O mindfulness, empregando cenas com emoções positivas, funciona muito bem”.
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