Ninguém mais escreve e-mails de amor
O WhatsApp faz com que nos comuniquemos com os outros de maneira constante, embora às vezes seja superficial
Faça o teste: procure na sua conta de e-mail o nome de um dos seus melhores amigos. Agora exclua os e-mails de grupo, aqueles em que se envia algo que foi encontrado na Internet, ou os curtos para confirmar um compromisso. Quando foi a última vez que trocaram uma mensagem de mais de cinco linhas para ficarem em dia, contar sentimentos ou dar uma boa notícia?
E agora, outro teste: com quantas pessoas com as quais você tem apenas um laço você fala diariamente pelo WhatsApp? Os aplicativos de mensagens instantâneas mudaram em muito pouco tempo a maneira de nos relacionarmos com os outros. Superou o e-mail, assim como este substituiu as chamadas telefônicas e estas, por sua vez, substituíram as cartas.
Dizemos aplicativos, mas poderíamos falar diretamente do WhatsApp. Especialmente no Brasil, segundo país que mais o usa no mundo. O aplicativo – que nasceu em 2009 e que em 2016 tinha mais de um bilhão de usuários em todo o mundo – é o mais utilizado no Brasil. No livro La Sociedad que Seremos (A Sociedade que Seremos), Belén Barreiro faz uma radiografia de como o usamos:
“O uso do WhatsApp pode chegar a ser absolutamente louco. Quase todos os usuários – 96,2% – entram no aplicativo ao menos uma vez por dia: entre eles, 42,3% confessam usá-lo continuamente. A maioria mantém entre cinco e dez conversas por dia, mas 20,8% tem, num dia normal, mais de 11 conversas e 2,2% mais de cinquenta.”
Escrever e-mails – assim como cartas – requer uma estrutura. Pensar o que se quer dizer, redigir e enviar. Falar por WhatsApp se parece muito mais com a maneira como conversamos cara a cara do que com a que escrevemos. É a rapidez e a espontaneidade, e as mensagens são curtas e diretas. E cria a sensação de comunicação constante, embora seja muitas vezes superficial: não contamos nada uns aos outros, mas serve para manter o contato.
“O aplicativo tem uma parte oral, mas também tem elementos próprios. Por telefone, teríamos que cumprimentar, perguntar ao outro como está e nos despedir. No WhatsApp, podemos começar uma conversa e retomá-la sempre que quisermos. Apesar de terem passado cinco horas, respondemos como se tivessem acabado de nos escrever”, diz Manuel Alcántara Plá, professor de linguística da Universidade Autônoma de Madri. Ele prefere falar em um idioma “multimídia” porque, além disso, não só escrevemos, mas também enviamos fotos, áudios e vídeos. “A soma é o que compõe a mensagem.”
Outra característica é que as mensagens que enviamos ficam escritas. Pode parecer óbvio, mas também pode criar mal-entendidos. É possível voltar a elas e reinterpretá-las (ou mal interpretá-las). Algo que pode ter inconvenientes, como a falta de contexto, ou a entonação, que permite capturar a ironia. Se as palavras são levadas pelo vento, aquelas que escrevemos permanecem.
“Antes relacionávamos o escrito aos assuntos sérios. A maneira como usamos o WhatsApp está nos contagiando e estamos mudando a maneira de escrever mensagens que em teoria são formais”, diz Alcántara. No exercício de nostalgia de mergulhar nos e-mails antigos, verifique quantas vezes você usava emojis há 5 anos e compare com os que enviou na semana passada.
Os mais jovens são os que mais se acostumaram a essa nova maneira de se comunicar. Sonia Sánchez Martínez, professora da Universidade Camilo José Cela, estudou como eles o utilizam. “Escrevem com as mesmas expressões e muletas que usam quando falam. Pulam de um tema a outro sem transição. Conhecem as regras ortográficas, mas nos chats não se interessam por elas e não as seguem porque o mais importante é o imediatismo. Mas têm a capacidade de mudar de registro: respeitam essas regras quando fazem anotações ou em uma prova, por exemplo”.
Tudo está em nossas mãos
Os chats estão nas origens da Internet. Em 2004, mais da metade dos internautas espanhóis usava o Microsoft MSN Messenger. Se na época em que para se conectar à Internet era preciso cortar a linha telefônica nós já gostávamos de fazer chats os outros, como não o faríamos agora que basta desbloquear o telefone celular? Em junho de 2012 havia mais celulares no Brasil do que habitantes: 130,44 linhas por 100 habitantes. A equação entre o WhatsApp e o celular nos trouxe até aqui.
Encurralamos o e-mail para tarefas ligadas ao trabalho e os telefonemas para momentos muito – mas muito – especiais. Não somos poucos os que, ao ver que o celular anuncia a chamada de alguém que não é da família mais próxima ou do trabalho, pensam: “Deve ser um casamento, uma gravidez ou más notícias”.
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