Será que o Brasil está preparado para ter um presidente negro?
O Brasil, apesar de classista e com fortes preconceitos com os negros, revela ser mais democrático e livre do que aparenta na superfície
Joaquim Barbosa, diante de um grupo de artistas que o incentivavam a se candidatar à Presidência da República, entre eles Marisa Monte, Lázaro Ramos, Caetano Veloso e Fernanda Torres, fez a seguinte pergunta: “Será que o Brasil está preparado para ter um presidente negro?”, segundo informa o jornal Folha de S.Paulo. A questão é intrigante, independentemente de o famoso relator do processo do “mensalão’, Joaquim Barbosa, o primeiro negro que chegou ao Supremo Tribunal Federal, designado por Lula, aceitar ou não o desafio. Trata-se de uma indagação complexa e com forte carga democrática além de emocional.
Minha resposta, pelo que conheço dos brasileiros, com quem convivo há 18 anos, é que, sim, o país está maduro para eleger um negro. O Brasil, apesar de continuar sendo classista e com fortes preconceitos em relação à população afrodescendente, no fim, nos momentos graves e importantes, revela ser mais democrático e livre do que aparenta na superfície. De fato, se analisarmos o rosário de presidentes escolhidos em eleições livres depois da ditadura, podemos observar que o eleitorado brasileiro é multifacetado e sem preconceitos sociais na hora de votar em seus dirigentes políticos. O sociólogo Fernando Henrique Cardoso era um intelectual de classe média alta e foi reeleito. Para sucedê-lo, o escolhido foi Lula, um operário sem estudos vindo de uma família paupérrima. E o povo também o reelegeu. Após o metalúrgico sem diploma universitário, o Brasil rompeu outro tabu e elegeu Dilma Rousseff, a primeira mulher a presidir o país. E também a reelegeu.
Por que, então, não poderia agora eleger um negro? Seria, sem dúvida, o último tabu. Os pessimistas dirão que os brasileiros, que continuam discriminando os afrodescendentes, nunca escolheriam um negro como presidente. No entanto, não podemos esquecer que uma opção forte à Presidência hoje, a ambientalista Marina Silva, foi uma candidata com milhões de votos em duas eleições presidenciais. E ela representa a união de três supostos tabus ao mesmo tempo, já que é negra, mulher e de origem pobre. E, se como se isso fosse pouco, também é evangélica.
Se os Estados Unidos quebraram o tabu elegendo um negro como Obama, por que o Brasil, com uma das maiores influências africanas do planeta, não poderia? Sem contar que hoje já é um país com uma maioria numérica de cidadãos negros. Nas próximas eleições presidenciais, a maioria dos que vão votar já não será branca. O fato de Barbosa aparecer nas pesquisas como um candidato competitivo, antes mesmo de ter se decidido sobre sua candidatura, já é um indicativo da liberdade de espírito dos brasileiros.
E mais: fala-se até em uma candidatura conjunta de Barbosa e Marina Silva, apesar de ainda incerta. Essa chapa reuniria, curiosamente, três tabus: dois negros, um deles mulher, juntos para presidir o Brasil. Pode ser que muitos eleitores não vejam isso com bons olhos, mas nesse caso seria mais por motivos políticos do que pelo fato de serem dois negros, um deles mulher. Nisso, o Brasil deu um salto democrático importante.
Ainda resta aos brasileiros algum tabu a ser superado? Talvez sim, o de um possível candidato gay. Nesse campo, talvez por causa da forte pressão das igrejas evangélicas, o Brasil continua ainda atado aos velhos preconceitos sobre o sexo. No entanto, é possível que no futuro o país supere sua última barreira de discriminação, já que a nova geração de jovens é mais aberta, mais livres e com menos preconceitos que seus pais. Gostaria de saber, por exemplo, se os netos do já candidato certo à Presidência, o ex-capitão de artilharia Jair Bolsonaro, apelidado de “Trump brasileiro”, um dia pensarão sobre os gays da mesma maneira que seu avô, que confessou que preferiria um filho morto a um homossexual e que afirmou: “Tenho cinco filhos. Foram quatro homens. A quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher”. Segundo Bolsonaro, “é justo que a mulher ganhe menos do que o homem porque engravida”. No Congresso, chegou a insultar a deputada Maria do Rosário: “Você não merece ser estuprada” (e vai ser julgado por isso).
O resultado de uma candidatura como a de Bolsonaro poderá, sim, ser um teste para conhecer o grau de sensibilidade democrática dos brasileiros. Bolsonaro, de fato, é um candidato de ultradireita, favorável à tortura e à pena de morte, que é contrário aos gays e que desvaloriza as mulheres. E que se confessa contra a laicidade do Estado, que preferia ver governado pela Bíblia mais do que pela Constituição. “Deus acima de tudo. Não tem essa historinha de Estado laico, não. O Estado é cristão e a minoria que for contra, que se mude. As minorias têm que se curvar para as maiorias”, afirmou. Em breve conheceremos o resultado do teste civilizatório que as eleições presidenciais sempre representam. Com diretas já ou em 2018, elas estão chegando se for certo, como aparenta, que o Governo Temer se encontra nas últimas.
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