_
_
_
_
_

STF decide julgar Bolsonaro por apologia ao crime de estupro

Corte aceitou duas denúncias contra ofensa de deputado de extrema direita a colega de Congresso

Gil Alessi

O deputado federal de extrema direita Jair Bolsonaro (PSC-RJ) se tornou réu por incitação ao crime de estupro e injúria, nesta terça-feira (21). Por quatro votos a um, a primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou duas denúncias contra o parlamentar, uma feita pela deputada Maria do Rosário (PT-RS) e outra da Procuradoria-Geral da República. Em dezembro de 2014, Bolsonaro afirmou no plenário da Câmara após discussão com a petista que ele só não “estupraria” a colega porque ela “não merecia”, por ser muito feia. Dias antes ele havia dado entrevista ao jornal Zero Hora com teor semelhante. A decisão da Corte chega em um momento no qual o debate sobre a cultura do estupro no país ganha grande visibilidade, após casos de violações coletivas ocorridas no Rio de Janeiro e Piauí.

Jair Bolsonaro.
Jair Bolsonaro.W. Dias (Ag. Br.)

A infame declaração de Bolsonaro, que é defensor de que os gays são fruto do consumo de drogas entre outras teses preconceituosas, foi dada logo após Rosário homenagear no plenário as vítimas da ditadura militar (1964-1985). O deputado, que é militar da reserva e defensor do regime dos generais – em seu voto favorável ao impeachment de Dilma Rousseff ele elogiou o coronel Brilhante Ustra, ícone da repressão - reagiu. Enquanto a petista, que já foi ministra dos Direitos Humanos, deixava o local, Bolsonaro fez os comentários: "Fica aí, Maria do Rosário, fica. Há poucos dias, tu me chamou de estuprador, [...] e eu falei que não ia estuprar você porque você não merece. Fica aqui pra ouvir".

Mais informações
Na mesma trilha de Trump, Bolsonaro capitaliza ira social
A história de Sofia: o cruel labirinto do estupro na favela
Sete são indiciados por estupro coletivo de adolescente no Rio
A luta solitária de uma mulher estuprada
Um retrato do torturador comandante Brilhante Ustra, segundo as suas vítimas

A naturalização da violência contra a mulher norteou a decisão do Supremo. Em seu voto, o ministro Luiz Fux foi enfático, e afirmou que "a violência sexual é um processo consciente de intimidação pelo qual as mulheres são mantidas em estado de medo”. O magistrado disse que o discurso de Bolsonaro de fato incitou crimes, e usou como exemplo mensagens dos apoiadores do deputado postadas na Internet: “Essa puta não defende bandido que tem que dar uma estupradinha nela?”, e “eu estupraria Maria do Rosário, mas com os dedos, porque com aquela cara, nem com Viagra”. O deputado tem forte presença na Internet, com 2,4 milhões de seguidores no Facebook.

Luís Barroso acompanhou o voto do colega, e disse que o discurso de Bolsonaro “é ofensa também à condição feminina de maneira geral (...) é a naturalização do desprezo, a naturalização da violência contra a mulher (...) é impossível não acreditar que esse tipo de atitude não contribua para uma cultura de violência, para uma cultura de estupro que ainda é recorrente no Brasil”.

O único ministro a defender a rejeição das ações foi Marco Aurélio Mello. Ele evocou a tese da defesa de Bolsonaro, de que o deputado estaria protegido pela imunidade parlamentar, que garantiria aos políticos o direito a manifestar suas opiniões. Ele fez questão de dizer, no entanto, que não endossa as declarações feitas no plenário. Fux rebateu Marco Aurélio e disse que as declarações do deputado  não têm relação com o exercício do mandato: “O conteúdo não guarda qualquer relação com a função de deputado, portanto não incide a imunidade prevista na Constituição Federal”, disse.

Em sua denúncia contra Bolsonaro, a vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko, escreveu que “ao dizer que não estupraria a deputada porque ela não ‘merece’, o denunciado instigou, com suas palavras, que um homem pode estuprar uma mulher que escolha e que ele entenda ser merecedora do estupro”.

Uma condenação no STF poderia sepultar o sonho de Bolsonaro de ser candidato à presidência da República em 2018. O julgamento do caso ainda não tem data marcada. O deputado se defendeu no Twitter: "Graças a Deus tudo foi filmado, ou certamente já não teria meu mandato há tempos! A Justiça no fim será feita".

Processo na Comissão de Ética

O gosto por provocar adversários com palavras e expressões ofensivas o colocou também sob a mira da Comissão de Ética da Câmara de Deputados. No dia da votação do impeachment, no dia 17 de abril, Bolsonaro votou pelo afastamento da presidenta Dilma, homenageando o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-CODI do II Exército durante a ditadura militar, “o pavor de Dilma Rousseff”, disse ele, em tom de escárnio, ao microfone. A presidenta afastada foi torturada quando Ustra comandava a repressão. O gesto foi alvo de repúdio de vários partidos e entidades ligadas aos direitos humanos.  O Partido Verde entrou com uma representação contra o deputado por considerar que o discurso de Bolsonaro constitui “verdadeira apologia ao crime de tortura”.

O deputado é famoso por provocar seus opositores com xingamentos de baixo calão. Um dos seus alvos preferidos é o deputado Jean Willys. No dia da votação do impeachment, Willys saía da tribuna após votar “não” quando ouviu uma provocação de Bolsonaro. “Ele me chamou de viado e queima rosca”, disse Willys, que cuspiu em direção ao deputado de direita.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_