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O segredo do futebol espanhol está nos meninos de 15 anos

Técnico sub-21 da Espanha detalha o processo de formação que transformou o país em um celeiro de referência junto ao Brasil

Diego Torres
Celades, da Ciudad del Fútbol Las Rozas.
Celades, da Ciudad del Fútbol Las Rozas.Claudio Alvarez

O caminho que vai do vestiário ao hotel, e do hotel ao campo, e do campo ao vestiário, e do vestiário ao hotel da Ciudad del Fútbol Las Rozas, é um circuito no qual Albert Celades (Barcelona, 1975) deixou alguns quilinhos nas últimas semanas. O técnico da seleção sub-21 espanhola reúne informações a toda velocidade, suando sob a onda de calor. Não tem tempo a perder, porque no sábado, dia 17 de junho, a Espanha enfrenta a Macedônia na Eurocopa da categoria e as expectativas são enormes. É a consequência de ir com um plantel de profissionais consagrados e, em alguns casos, de figuras incipientes.

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O ciclo virtuoso das categorias de base volta a produzir jogadores extraordinários para a segunda seleção nacional, chamada de Rojita (vermelhinha). A pressão para reconquistar o título obtido em 1986, 1998, 2011 e 2013 se multiplica. No lugar de Isco, Thiago, Carvajal e Morata foram revelados jogadores excepcionais como Asensio, Llorente, Ceballos e Vallejo. O fenômeno da aparição de talentos espanhóis chama a atenção em todo o mundo. A primeira coisa que dizem os responsáveis pela federação, aglutinados em torno de Ginés Meléndez, criador do modelo, é que a eclosão obedece muito pouco a fatores aleatórios. Destacam-se três fundamentais: a formação vanguardista das categorias de base dos clubes, geralmente baseada na técnica; o treinamento competitivo na Segunda e na Segunda B; e o aproveitamento exaustivo desse potencial por parte da federação, que concentra sua busca em meninos de 15 anos.

60 jogadores por ano

“Damos muita importância à seleção sub-16”, explica Celades. “É a primeira e a mais difícil, porque é o primeiro filtro. Tentamos trazer todo ano a Las Rozas entre 60 e 70 jogadores menores de 16 para treinar e jogar amistosos. As federações locais nos ajudam a detectá-los, os vemos e os convocamos para ver se funcionam. Mayoral, Asensio, Sandro, Saúl, Denis Suárez, Vallejo, Grimaldo, Deulofeu, Meré, Bellerín, Jonny... Todos passaram por esse crivo.”

Pelo menos a metade dos sub-21 que vão à Polônia provêm desses testes originais sub-16, em um arco que vai necessariamente do futebol amador ao profissionalismo. Esse acerto se repete em muito poucos países. Aí reside boa parte do sucesso da Espanha, segundo Celades: “Os erros nessas idades são inevitáveis. Mas é importante não nos equivocar muito para que o processo continue e não ficar mudando 20 jogadores por ano. Se fazemos uma boa seleção sub-16 conseguiremos uma boa trajetória, porque todos os técnicos da federação trabalham sob o mesmo padrão. Quanto mais tempo os meninos estão aqui, mais simples será a adaptação.”

Celades explica que para ser eficaz na antecipação —ao contrário do que se faz nas federações da França ou da Inglaterra— a Espanha aposta em critérios de inteligência e técnica antes dos parâmetros atléticos. “O que acontece? Há vezes em que você intui que um garoto pode ter futuro, mas nessa idade em que o físico ainda não se destaca tanto”, explica o técnico. “Tem uma ou outra deficiência, mas se tecnicamente é muito bom, o trazemos. É um pedágio que temos de pagar e compensa para colher os frutos mais adiante.”

O sistema é harmônico porque na Espanha se constituiu uma verdadeira escola. A grande maioria dos clubes da Primeira e da Segunda divisões realizam um trabalho homogêneo nas bases, no qual investem grandes esforços. Os tradicionalismos, em geral, foram superados. “O trabalho formativo é magnífico em muitos clubes”, diz Celades; “com bons treinadores e com metodologias de trabalho muito boas. Isso rende seus frutos. Nós na federação só tentamos aproveitar.”

O Barcelona, com seis representantes Sub-21 formados em sua cantera, continua sendo o clube que mais contribui com a seleção que vai à Polônia para a Eurocopa. Em seguida estão Athletic e Celta (três cada um); Madrid, Valencia e Real Sociedad (dois cada um); e Mallorca, Betis, Atlético, Osasuna, Sporting, Zaragoza e Espanyol (um jogador cada um).

Os jogadores que não foram captados na sub-16, como Ceballos e Llorente, se uniram à sub-19. Nessa categoria, foram campeões da Europa. A convivência constante tem um valor essencial. “O sentimento de pertencimento é importante”, afirma Celades. “Queremos que os meninos sintam a seleção como algo próprio. Dizemos que isso é deles, que estão há muitos anos vindo, que esta é a casa deles, o time deles. Não queremos que apareçam aqui de repente nisso que se chama seleção e é algo abstrato. Recordamos a eles que esta é sua equipe, que estão aqui há muito tempo, que viveram várias aventuras conosco. Sabem o que queremos deles. Sabem o que vão nos dar. Por isso tentamos nos enganar o menos possível na seleção da sub-16.”

“AQUI OS MENINOS ENFRENTAM HOMENS”

"Em outros países, as Ligas das divisões de base não são tão competitivas e isso faz com que o salto para o profissionalismo seja complicado", diz Celades. "Aqui a maioria das divisões está na Segunda B e os meninos são obrigados a jogar contra homens. Isso caleja. Dá uma vantagem no sistema competitivo. A maioria dos sub-21 passou pela Segunda B ou pela Segunda. A peneira é dura. Os garotos estão muito protegidos em suas canteras e é bom já enfrentar a realidade do futebol profissional. Aí acaba a história de 'Ah, deixa para amanhã...!'. É profissionalismo já."

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