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Coluna
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O dia dos namorados datou

A única coisa que define o namoro hoje é o falacioso status “estou em um relacionamento sério”. Que fraude!

Namore alguém que sabia desde o início que era golpe. Bote golpe nisso, vade retro. Eis a pegada ideológica para a comemoração dos ditos pombinhos de um lado. Tem casal também, porém, que estava feliz e fez fotos com a PM e com os patinhos sonegadores da Fiesp, é do jogo, acontece, foram sonoramente enganados, quem nunca? Quem sabe estejam felizes com a escolha. Ridículo da minha parte julgar essa parada. Cada um com seu universozinho.

Luis Sevillano

Dia dos namorados. À esquerda ou à direita, a data datou, perdeu o sentido. O que se chama de namoro hoje em dia? Não vale a relação do Gilmar Mendes com o presidente Michel Temer, para aproveitar o embalo do julgamento do TSE e outros cabarés permanentes da pátria amada, salve, salve. Com todo respeito aos puteiros de raiz do Brasil, no que cito, data vênia, a zona inteira da Rio Branco no Recife, a vila Mimosa no Rio, a Boca do Lixo em SP, a rua Guaicurus em Belo Horizonte, a casa de Glorinha no Crato, a Curitiba dos vampiros de Dalton Trevisan e das pervertidas da República Clandestina do Boqueirão etc etc.

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Quando se sabe que é namoro em tempos tão líquidos e escorregadios? Vejo muita gente em dúvida por aí: quarentões, mulheres de trinta, meus sobrinhos de vinte e poucos anos na ZL de São Paulo ou em Juazeiro do Norte, nerds ou homens à moda antiga – falo dos autênticos machos jurubebas. Há dúvida em todas as idades, gêneros, opções sexuais, estilos, classes etc.

Até o(a) o(a) mais convicto(a) dos (as) canalhas está perdido(a) neste assunto. Sim. A canalhice vive um pouco de gerar essa ilusão de namoro ou até amor no outro – como os sinais da namoridade estão confusos, as possíveis vítimas também não existem, não caem no conto. Ótimo, lindo, o canalha caminha para a extinção. Só havia sentido para a canalhice na ideia de que fazia vítimas e mais vítimas amorosas pelo caminho.

Em tempos objetivos, de encontros por aplicativos de celular, vixe, o canalha foi desconstruído, como diria um teórico francês afrescalhado. O canalha (ainda) ensaia o último suspiro apenas nas peças imortais de Nelson Rodrigues. E pronto.

Mil e uma noites

Ninguém pede mais em namoro. Escrevi tal crônica ainda nos anos 1990. Já era espanto. Agora ninguém sabe sequer o que seja tal prática amorosa, tal linguagem do enlace. Quantas transas configuram um namoro? Descer quantas vezes aos beijos na rua Augusta? Tirar uma onda por uma noite em um bistrozim picareta ainda não pode se chamar disso, não acha? Porque o amor é mais profundo que um encontro casual, me sopra aqui o amigo Belchior, que vinilzão estupendo.

O novo namoro talvez seja, podicrê, uma coisa de estrada. Talvez viajar juntos, para conhecer o incrível e necessário bafo da rotina. Bonito, necessário. Sair do conforto. Viver o preciso tédio que, aí sim, configura uma ideia mínima de relacionamento. É importante que alguém abra a janela e diga em que fase a lua está para que se saiba se é namoro ou apenas amizade. Não carece necessariamente que a lua esteja cheia e tampouco bilaquiana, ora direis, ouvir estrelas. Que o desalmado enxergue pelo menos um vagalume. Que a fase da lua esteja perfeita para cortar o cabelo um do outro ou digna de uma plantação de agricultura celestial, como plantar um canteiro de coentro para futuras moquecas divinais.

O que, afinal, diz se é ou não um namoro? Quantas peças de roupa deixadas na casa um do outro(a)? Quantas noites antes das mil e uma que interessam? Quantas séries do Netflix no tempo em que ninguém segura a onda por mais de uma temporada?

Dou a sorte de amar uma autêntica Laura Palmer. Ela nem me dava bola quando o mundo vivia o mistério mortal da dublê dela mesma. Agora o velho David Lynch nos une até que todos os mistérios do universo sejam decifrados. Sim, estamos vendo juntos a genialíssima nova vida de Twin Peaks.

O casamento é a única possibilidade de namoro do mundo avexado e cheio de ocupações em que vivemos. O resto são papéis avulsos, dom Machado, o resto é Tinder e outros aplicativos. Mal o cabriolé chega e o cabra já está de saída. Nem cumpre as tarefas orais e outros mandamentos minimalistas da sexualidade. Lá se vai o irresponsável no tílburi moderníssimo chamado Uber. Tudo é rota de fuga e GPS. Nada é entrega.

Tudo que se chamava de namoro outro dia talvez hoje atenda pelo nome de casamento. E não um casamento qualquer. Não à toa o dia dos pombinhos é uma data mais lindamente brincada pelos casados – não é algo para ser levado a sério por ninguém. Vale sim como uma data de romantismo irônico. Fazer uma viagem, tirar uma "buena onda" de enamorados para sempre, tocar aquela do David Bowie, do Chico, do Caetano, do Odair ou do Los Hermanos, aquela trilha que fez de dois perdidos na noite, de dois supostos irrecuperáveis, um casal.

O dia dos namorados datou. Simplesmente não se sabe mais o que seja o namoro. O que configura o rala-e-rola que possa ter esse status? Talvez não passe de um "relacionamento sério" de Facebook. Talvez seja apenas um rolinho primavera, um amasso de verão no Farol da Barra, uma invernosa noite de tapas e vinhos, uma tarde outonal na vila Madalena, vai saber, amigos.

Se você não se sente um(a) namorado(a) pleno (a), dane-se, você tentou, você está em busca de alguma profundidade, parabéns nesta data querida. Beijos.

Xico Sá, jornalista e escritor, é autor de "Os machões dançaram" (editora Record), entre outros livros. Comentarista dos programas "Papo de Segunda" (GNT) e "Redação Sportv".

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