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Coluna
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Reformista, mas ordinário

Na mesa do botequim, tentamos enquadrar o Temer na galeria dos canalhas de Nelson Rodrigues. Um Palhares? Um Peixoto? Um Edgar?

O presidente Michel Temer.
O presidente Michel Temer.

O Brasil vive, ao vivo e grampeado, uma tragédia de Nelson Rodrigues. E o ex-presidente Temer – repito o ato falho dos telejornais – não é um simples Palhares, o cunhado inescrupuloso da série "A vida como ela é".

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O ex-presidente – o ato falho dos telejornais diz mais sobre o país do que supõe o velho Freud – não é um canalha qualquer. É um daqueles brasileiros polidos, educados, amantes da norma culta e incapazes de um palavrão de rotina, um "caralho" sequer, como ouvimos fartamente em outros grampos campeões de audiência.

Aqui em um mesão de botequim em Belo Horizonte, depois de participar de mais um "Sempre um papo", tento, tentamos, com um banquete de amigos, enquadrar o ex-presidente – ainda estará no cargo a essa altura? – na galeria de personagens rodriguianos. Quem seria o tinhoso?

O Palhares é apenas um inocente tarado diante da bandalheira do golpismo. Talvez o ex-presidente seja o Dr. Werneck, o milionário sem nenhum caráter que tenta remendar a virgindade da filha na base da grana. Aí já estamos na peça "Bonitinha, mas ordinária ou Otto Lara Resende".

Meu voto na assembleia geral e permanente de boteco: Temer está mais para o Peixoto. O intermediário do Dr. Werneck para comprar a consciência vacilante do coitado do Edgar, o bancário escalado para "salvar", no drama, a filha Maria Cecília. O ex-presidente em exercício sempre foi o intermediário, a pinguela (o grifo é de FHC) entre o poder e a gula selvagem do mercado.

Só Nelson, o Shakespeare dos trópicos, explica o Brasil. Só o ato falho salva.

Solidário no câncer

Da mesma peça "Bonitinha, mas ordinária", todavia, uma frase parece ter perdido o seu valor. O mantra "O mineiro só é solidário no câncer" anda em desuso na política e entre celebridades. O brasileiro não dá mais o ombro amigo na hora das desgraças. Os líderes do Congresso que fizeram o circo do impeachment abandonaram o ex-presidente Temer. Os famosos, sejam dos esportes ou do ramo do entretenimento televisivo, apagaram as fotos festivas com o senador Aécio Neves nas redes sociais. No país da bossa nova, revelou-se uma enorme ingratidão. Desafinou geral o coro dos tucanos. E não apenas pelos atos falhos que testemunhamos por ai.

No banquete antropofágico, "o primeiro a ser comido", segundo os grampos de Romero Jucá, não ganhou solidariedade nem mesmo do seu partido. O prefeito Dória, por exemplo, ficou chocado com os palavrões do colega de penugem. Como se o problema fossem apenas os "caralhos" na boca de Aecinho nos edificantes diálogos com o homem da carne. Um Brasil puto na alcova e santo em público. Rodriguianamente pornográfico. Até a próxima, com ou sem o ex zumbizando no Planalto.

Xico Sá, escritor e jornalista, é autor do rodriguianíssimo volume A pátria em sandálias da humildade (editora Realejo, 2017), entre outros livros. Comentarista dos programas Papo de Segunda (GNT) e Redação Sportv.

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