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Jorge Sampaoli, a nova promessa da longa saga de técnicos argentinos que fazem sucesso pelo mundo

Novo treinador da seleção da Argentina renova lista integrada por nomes ilustres como Bielsa, Simeone, Pekerman e Martino

Jorge Sampaoli durante sua apresentação como novo treinador da seleção argentina.
Jorge Sampaoli durante sua apresentação como novo treinador da seleção argentina.Reuters
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Antes de sua estreia oficial contra o Brasil, em amistoso na Austrália, Jorge Sampaoli assumiu na quinta-feira a direção técnica da seleção da Argentina com declarações mais apropriadas para uma rodada de mates nos Pampas do que para o complexo desportivo da Associação Argentina de Futebol (AFA), em Buenos Aires. Em sua apresentação à imprensa, o treinador citou uma poesia camponesa de uma das referências da música dos Pampas, José Larralde. “Há uma frase de Larralde que diz: ‘Como é lindo estar perto do que você admira de longe’. Isto parecia muito distante, e o fato de se concretizar gera muita alegria”, disse o ex-técnico do Sevilla, fazendo referência a Herencia para un hijo gaucho, uma canção que o músico folclorista compôs como homem do campo, em 1969, quando as Copas do Mundo ainda não eram televisionadas ao vivo.

Sampaoli — que diante da guerra fratricida que a AFA travou nos últimos meses também poderia ter recitado Martín Fierro, a obra-prima do gênero gauchesco na qual José Hernández escreveu em 1872 “os irmãos sejam unidos, porque essa é a lei primeira, porque, se eles brigam, os de fora os devoram” — assinou um contrato de cinco anos, um período que lhe garantiria o posto para os próximos dois ciclos da Copa do Mundo: o restante das eliminatórias para a Rússia 2018, nas quais uma turbulenta Argentina sobrevive na zona de repescagem com quatro rodadas para disputar, e todo o caminho para a Copa Catar 2020. Cumprir o acordo seria uma façanha: a alviceleste mudou de técnico duas vezes no caminho atual para a Rússia, e Sampaoli é o nono nos últimos 13 anos.

Diego Simeone no Vicente Calderón, em maio.
Diego Simeone no Vicente Calderón, em maio.AFP

Mas, na ausência de uma seleção que retorne aos seus melhores tempos, de projetos mais estáveis e de uma AFA que inspire mais confiança (a recente renovação de dirigentes, com Claudio Tapia como novo presidente, ainda não conseguiu o aval popular), o futebol argentino descobre brotos verdes ao lado do campo: uma safra de técnicos jovens que, nos últimos anos, foi se embrenhando pelas ligas europeias e se soma a uma geração mais experiente que há um tempo é hegemônica nas seleções da América do Sul.

“O futebol argentino sempre proporcionou técnicos de qualidade. É um país onde existe uma forte tradição de falar de futebol, de opinar, em bares, barbearias, onde seja. Há uma análise exaustiva, assim os jogadores já nascem ouvindo falar de futebol”, diz Ángel Cappa, ex-técnico do River e do Tenerife, entre outros clubes, em entrevista concedida em sua casa em Madri. Poderia ter acrescentado uma das frases que mais circulam na Argentina: “Neste país existem 40 milhões de técnicos”, uma referência ao total da população.

Ricardo Gareca, técnico da seleção peruana.
Ricardo Gareca, técnico da seleção peruana.EFE

Talvez por causa de sua aparência de roqueiro ou porque até poucos anos atrás era desconhecido em seu país (nunca jogou nem treinou na Primeira Divisão) ou porque chegou recentemente na Europa na última temporada, surpreende que Sampaoli seja o mais veterano dos técnicos argentinos de melhor reputação atual: tem 57 anos. Seus outros três compatriotas que comandaram equipes na liga espanhola que terminou recentemente são mais jovens: Diego Simeone voltou a alçar o Atlético de Madrid para o mais alto possível aos 47 anos; Eduardo Berizzo levou o Celta à semifinal da Liga Europa, também aos 47; e Mauricio Pellegrino classificou o Alavés para a final da Copa do Rei, com 45 anos. Enquanto Simeone continuará no Atlético, os outros dois vão mudar de equipe, embora a semente já esteja plantada e haverá troca de argentinos. Berizzo é o candidato para substituir Sampaoli no Sevilla, e o Alavés sondou dois compatriotas de Pellegrino para sua substituição: Luis Zubeldía, de apenas 36 anos, atual técnico do DIM, na Colômbia, e Matías Almeyda, de 43 anos, que no domingo conquistou a primeira liga mexicana para Las Chivas de Guadalajara nos últimos 11 anos.

Mas o mais bem-sucedido talvez seja Mauricio Pochettino, na Inglaterra, que, com 45 anos, construiu um grande Tottenham Hotspur: os Spurs foram vice-campeões, em seu desempenho mais notável desde que venceram a liga em 1961. Pochettino e Berizzo foram colegas de defesa no Newell’s Old Boys no início dos anos noventa, em uma equipe comandada por Marcelo Bielsa e na qual também se destacava Gerardo Martino, ex-técnico da seleção argentina e do Barcelona, e atual treinador do Atlanta United, dos EUA. Se Bielsa foi a grande inspiração para que Pochettino, Berizzo, Martino e Sampaoli (que jogou na segunda divisão do Newell’s, mas não foi treinado pelo “Loco”) se tornassem técnicos, o clube Rosario, no qual Lionel Messi também se formou, é o berço de vários dos melhores treinadores argentinos da atualidade. Bielsa, já com 61 anos, e depois de quase dois anos sabáticos, treinará o Lille, da Ligue 1 da França, a partir de agosto.

Mauricio Pochettino, treinador do Tottenham.
Mauricio Pochettino, treinador do Tottenham.Reuters

“Quando voltei a jogar na Espanha, em 1972, e comecei a trabalhar nas divisões inferiores do Newell’s, deixei claro que o futebol dos jogadores deveria ser tão importante quanto sua vida em sociedade", diz Jorge Griffa, ex-jogador do Atlético de Madrid e tradicional treinador de jogadores e técnicos do Newell’s. "A vida não é só futebol, e o Newell’s conseguiu um estilo marcado por Bielsa e agora por Pochettino e Berizzo", acrescenta Griffa, em Buenos Aires.

O prestígio de Simeone, Pochettino, Berizzo e Pellegrino na Europa, além de seus estilos diferentes, é a confirmação de um fenômeno que há um tempo explodiu na América do Sul. Dos 10 países que participam das eliminatórias, cinco têm treinadores argentinos: Juan Pizzi, no Chile, José Pekerman, na Colômbia, Ricardo Gareca, no Peru, e Gustavo Quinteros, no Equador (incluindo, logicamente, Sampaoli).

“Além disso, na Argentina há uma safra de jovens treinadores que são muito bons: Almirón (Jorge, do Lanús), Barros Schelotto (Guillermo, do Boca), Gallardo (Marcelo, do River), Cocca (Diego, do Racing) e Domínguez (Eduardo, do Colón). Se tornariam nossos filhos", acrescenta Cappa. "Sampaoli defende a tradição do futebol argentino, do bom jogo, do futebol de ataque.”

Segundo dados do site AXEM, Argentinos Por El Mundo, 2.404 compatriotas de Messi jogam no exterior, espalhados por cinco continentes. São acompanhados por outros 262 treinadores argentinos ou assistentes técnicos, que trabalham em clubes ou seleções fora do país. Nessa lista acaba de entrar Diego Maradona, novo treinador do Al-Fujairah, da segunda divisão dos Emirados Árabes, longe dos Pampas, onde um Sampaoli inspirado pelas milongas camponesas de Larralde tentará reativar uma seleção em estado de alerta.

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