Trump, o ato final: Como e quando?
O problema não é o que acabará com o presidente dos EUA, mas quantas pessoas vão cair com ele
A história é feita de marcos, bons e ruins, mas, na história dos Estados Unidos, faltavam marcos comuns que colocassem em perigo a estabilidade e a seriedade institucional que levaram mais de duzentos anos para serem conquistadas. A democracia norte-americana nunca esteve tão doente. Mesmo os cérebros mais frios e mais de direita do establishment político se sentem diante de um precipício, porque Donald Trump viola, diariamente e em todas as horas, o juramento que lhe obriga proteger e defender a Constituição.
Discutir atualmente a possibilidade de um impeachment é o de menos. O verdadeiro problema é que, depois de saber que o líder da primeira potência mundial poderia ter cometido um crime ao solicitar ao ex-diretor do FBI, James Comey, que fosse camarada e suspendesse a investigação contra o ex-assessor de Segurança Nacional, Michael Flynn, por suas ligações com a Rússia, e do último capítulo da trama, segundo o qual haveria um infiltrado do Kremlin no círculo presidencial, começa a atribuição de responsabilidades. A enxurrada de revelações, entre as quais não é menos relevante afirmar que Comey “tinha um parafuso a menos”, supõe algo mais do que a obstrução da Justiça, significa a destruição sistemática do quadro institucional que, desde a época de Jefferson, diferenciou a democracia norte-americana.
Os Estados Unidos aguentarão um impeachment? Minha resposta é não. A questão não é o que investigar, mas quantos podem estar envolvidos. Por exemplo, é terrível a coincidência da tentativa de Trump de interromper a investigação sobre Flynn e a descoberta de que o general tinha vínculos com Governos estrangeiros, cobrando por isso, sem declará-lo e mentindo ao vice-presidente Mike Pence. A diferença dos EUA com qualquer outro país é que, mais cedo ou mais tarde, a violação da lei se paga, mas a grande questão agora é: o sistema aguentará uma investigação de tais dimensões?
Ninguém tem a menor ideia de qual será a próxima atrocidade no arsenal de Trump. Mas, que levante a mão o juiz federal, senador ou deputado disposto a testemunhar que nunca leu que o presidente dos EUA dissera ao diretor do FBI para interromper uma investigação sobre um membro do Gabinete. De outra forma, ao não agir, você se torna cúmplice do presidente. E esta é uma situação sem saída, porque todos nós sabemos o que significa um impeachment, mas não sabemos o que vem depois: que o mandatário pague pelo que fez.
Quero lembrar que Richard Nixon renunciou depois do escândalo Watergate. Imediatamente, seu sucessor, Gerald Ford — quase no mesmo momento em que fazia o juramento do cargo —, o perdoou. Paul Ryan, presidente da Câmara dos Deputados, por sua vez, não tem escolha porque, a partir de agora, todos são cúmplices de não ter protegido e defendido a Constituição dos EUA. Diante de tal situação, qualquer juiz norte-americano pode se tornar um Sergio Moro, o herói brasileiro, e desatar um gravíssimo confronto institucional, porque não são os tribunais comuns encarregados de iniciar um processo de destituição, e sim toda a Câmara de Deputados e o Senado, juntamente com a Suprema Corte.
Os Estados Unidos, sua Constituição e seu quadro jurídico exigem saber se a trama russa é verdadeira ou falsa. Se for verdadeira, o início do impeachment é inadiável. Se não for, as responsabilidades do ex-diretor do FBI são grandes. Mas não se deve ignorar que todos os que iniciariam a destituição de quem é não apenas o chefe do Executivo, mas também o comandante-em-chefe das Forças Armadas, estão vinculados pela obrigação inadiável de agir quando têm conhecimento ou provas de práticas ilegais.
Se isso não acontece, então os problemas legais do presidente contaminarão imediatamente o resto dos poderes, transformando-os em colaboradores necessários e deixarão de ser as instâncias que investigam se existiu um crime presidencial para fazer parte do corpo de delito. Por isso, o problema não é o que acabará com Trump, o problema é como e quando, mas, principalmente, se estará sozinho ou acompanhado.
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