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A ‘mulher do tanque’ e outros símbolos da resistência pacífica na Venezuela

Três manifestantes relatam como se tornaram ícones por sua maneira de protestar contra Maduro

Tomás Vivas, 29 anos, com instrumento tradicional de cordas da Venezuela
Tomás Vivas, 29 anos, com instrumento tradicional de cordas da VenezuelaRaúl Romero

Uma tempestade de gás lacrimogêneo se abatia sobre María José Castro, uma portuguesa radicada em Caracas, quando ela caminhou, coberta pela bandeira da Venezuela, até um veículo blindado da Guarda Nacional Bolivariana (GNB). “Senti que tinha me transformado em mãe daqueles rapazes que estavam se manifestando. Doía ver como disparavam contra eles! Quando escutei os soldados ordenarem o avanço dos tanques, achei que iria acontecer um massacre, e aí me joguei”, relata.

Sua proeza, deter um blindado militar, evoca o emblemático rebelde desconhecido do massacre da praça Tiananmen (China, 1989). María, fotografada e filmada, se tornou em 19 de abril a senhora do tanque, uma mãe de 54 anos e agora um símbolo de resistência. “Minha vida estava nas mãos de Deus, não dos soldados. Quando era muito jovem precisei ir embora de Portugal por causa de uma ditadura, agora sei que a pessoa precisa lutar. Não podemos deixar que uma nação seja arrebatada por um tirano. A Venezuela deu muito ao mundo, recebeu muitos estrangeiros, assim como a mim, e por isso eu não abandono o meu país”, diz.

A onda de protestos contra o regime de Nicolás Maduro derivou em uma contínua repressão com um saldo de 39 mortos, mais de 717 feridos e centenas de detidos em um mês. Desta insurreição civil, entretanto, saíram ícones pacifistas. Hans Wuerich, de 27 anos, tem sido aclamado como herói nas manifestações opositoras contra o Governo da Venezuela. Há 18 dias, tirou a roupa para desafiar uma descomunal ofensiva da polícia contra uma passeata na Autopista Francisco Fajardo, que liga as zonas leste e oeste de Caracas. “Tinha avaliado várias maneiras de protestar pacificamente. Não acredito na violência como saída para a crise, porque isso dá ao Governo uma desculpa para reprimir”, afirma.

María José Castro caminha com uma bandeira da Venezuela até um blindado da Guarda Nacional Bolivariana
María José Castro caminha com uma bandeira da Venezuela até um blindado da Guarda Nacional BolivarianaRégulo Gómez

Enquanto o confronto se intensificava nessa manifestação, ele se despiu e, com uma Bíblia na mão, se aproximou de um tanque cheio de soldados para pedir a interrupção do ataque aos opositores. Isso enfureceu os oficiais, as pessoas gritaram, e outros dispararam balas de borracha contra Wuerich. Maduro dedicou alguns minutos de um discurso transmitido por rádio e TV para ofender o manifestante. “Eles não têm limites para o ridículo, todos os dias é um show… Menos mal que não caiu um sabonete, porque teria sido detestável essa foto. Horrorosa. Pega o sabonete, meu filho, para a foto!”, ironizou.

Wuerich interpretou o insulto como um sinal de fraqueza do mandatário: “Um protesto pacífico golpeia as ditaduras. Maduro pode tentar nos ofender, mas ele mesmo sabe que é um demônio que está debilitado”. Contrários à opinião do presidente, muitos opositores agora abordam o jovem nas ruas para pedir uma foto ou cumprimentá-lo por sua maneira de expressar o descontentamento contra o regime. Seus motivos para rechaçar o Governo são comuns: uma economia devastada por políticas equivocadas e pela queda dos preços do petróleo, a quase inexistência de remédios, os presos políticos e a cassação do Parlamento, entre outros infortúnios. Wuerich saiu da casa dos seus pais há um ano para morar sozinho no bairro de La Pastora (zona oeste de Caracas). “O dinheiro não era suficiente para eu comer bem, isso é o que acontece com a maioria dos venezuelanos. Passei quatro meses morando sozinho. Para uma pessoa jovem é difícil se tornar independente devido à crise econômica neste país”, acrescenta.

Hans Wuerich, de 27 anos, durante manifestação no último dia 20
Hans Wuerich, de 27 anos, durante manifestação no último dia 20Raúl Romero

Que o diga Tomás Vivas, um artista de 29 anos que partiu de Mérida (região andina) para viver sozinho em Caracas. “Na minha terra tintha menos oportunidades de emprego”, argumenta. Ele vai às manifestações da oposição levando um cuatro – instrumento de cordas e tradicional da Venezuela – para improvisar alguma canção. É um costume que adquiriu em fevereiro de 2014, época das primeiras grandes manifestações contra Maduro. “Saí para tocar joropo (gênero musical típico da Venezuela e Colômbia). Muitas vezes não sou escutado, especialmente quando sou apanhado na linha de fogo entre manifestantes e policiais. Não importa, eu continuo tocando”, diz. Ele parte da premissa de que a música adormece as feras. Nos últimos dias, tocou o cuatro tão forte que seus dedos agora estão cobertos de esparadrapos para curar as feridas. “Cada um deve fazer o tipo de protesto que ache conveniente, mas penso que a forma pacífica é a mais efetiva”, diz.

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