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Pivô de ato na Paulista, lei de migração espera sanção de Temer e é alvo de pressão

Novas diretrizes substituem o Estatuto do Estrangeiro, elaborado durante a ditadura militar

Marina Rossi

A nova lei da migração, que dispõe sobre os direitos e deveres dos estrangeiros Brasil, foi aprovada no Senado no último dia 18, depois de passar pela Câmara dos Deputados. O texto, de autoria do senador e atual ministro das Relações Exteriores Aloysio Nunes (PSDB-SP), ainda aguarda decisão do presidente Michel Temer, que tem até 11 de maio para sancioná-la ou vetá-la total ou parcialmente. Se Temer não atuar, ele começará a valer automaticamente. Celebrada por entidades dos direitos humanos, a nova legislação substituirá o Estatuto do Estrangeiro, de 1980, elaborado durante o regime militar.

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A reportagem apurou que há uma queda de braço dentro do Governo que está atrasando o processo de sanção por Temer, que, pelas regras, tem 15 dias para se decidir. Há movimentos e políticos que pressionam para que o texto seja 100% vetado. Um dos pontos mais sensíveis e que pode sofrer mudanças por causa das pressões é o que se refere ao mercado de trabalho. A nova lei garante acesso igualitário e livre a trabalho, benefícios sociais e seguridade social, dentre outros.

Essa queda de braço transcendeu o Planalto e o Congresso e foi parar nas ruas. Na noite desta terça-feira, grupos da direita contrários à lei se manifestaram na avenida Paulista, em São Paulo. Quatro pessoas foram detidas, sendo dois brasileiros, um sírio e um brasileiro com origem palestina. Todos foram liberados no dia seguinte. De acordo com o Estatuto do Estrangeiro, ainda em vigor, estrangeiros não podem participar de manifestações de qualquer natureza.

O protesto na avenida Paulista é o mais recente, mas não foi o único. Enquanto o texto tramitava no Senado, manifestantes chegaram a ir até a casa do ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, autor do texto, para protestar. A pressão pela aprovação também acontece. De acordo com o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto na Câmara dos Deputados, seria "um vexame internacional" a lei não ser sancionada pelo presidente Michel Temer. "Seria um péssimo gesto para a sociedade brasileira".

Lei garante direito a estrangeiros de participar de protestos

A nova lei regula a entrada e estada de migrantes - definidos como qualquer pessoa que se desloca de país ou região geográfica ao território de outro país - no Brasil. Dentre outros pontos, o novo texto elimina discriminações e garante aos migrantes os mesmos direitos humanos assegurados aos brasileiros, como, por exemplo, participar de protestos e se filiar a sindicatos, além do acesso a programas e benefícios sociais. A lei institui o repúdio e a prevenção à xenofobia, ao racismo e a outras formas de discriminação. E também desburocratiza os procedimentos de regularização migratória. Além disso, determina a política de vistos humanitários, que hoje é aplicada apenas aos venezuelanos, sírios e haitianos, e foram concebidos por meio de uma resolução normativa, ou seja, uma espécie de exceção à regra.

Aprovada enquanto o mundo assiste à instituição do muro de Trump, que impede a passagem de imigrantes vindos do México para os Estados Unidos, e do plano da União Europeia de propor uma expulsão em massa de imigrantes, a nova lei brasileira está sendo festejada pelos representantes dos direitos humanos. "É uma lei muito importante", diz Pétalla Timo, da Conectas Direitos Humanos. "Ela revoga uma lei da ditadura, que via o imigrante como uma potencial ameaça à segurança nacional".

De acordo com ela, um dos pontos mais importantes é a desburocratização para a regularização do estrangeiro. "Hoje, um estudante que está aqui com visto de estudo por exemplo, quando o visto expira e ele quer permanecer regularizado no Brasil ele precisa sair daqui para pedir o visto. Com a nova lei, não precisará". Outro ponto é que a legislação acaba com a criminalização por razões migratórias. "Ou seja, nenhum migrante poderá perder sua liberdade por simplesmente estar em situação irregular", explica. 

O procurador federal dos direitos do cidadão adjunto, João Akira Omoto, explica que a lei moderniza a questão migratória. Segundo ele, o antigo Estatuto do Estrangeiro é obsoleto porque a questão migratória era tratada sob a ótica da segurança nacional e não dos direitos humanos. "Temos uma legislação muito ultrapassada, produzida em uma época de exceção, sob a perspectiva da segurança nacional", diz. "Isso não atende às questões mínimas, básicas, de reconhecimento das condições migratórias".

Apesar de celebrada, a lei precisa não somente ser sancionada como também colocada em prática para que de fato essa modernização aconteça. "É fundamental ter clareza de que uma coisa é uma norma escrita", diz Akira. "Outra coisa é a materialidade dessa norma. Existe uma distância entre o que está normatizado e o que acontece no mundo real".

Alguns pontos da nova Lei da Migração

A nova Lei da Migração é regida pelo princípio da não criminalização da imigração e dos critérios pelos quais a pessoa foi admitida em território nacional. Dentre outros pontos, o texto trata de:

- Promover a entrada regular, a acolhida humanitária e a igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e seus familiares, pontos que não eram mencionados no antigo Estatuto do Estrangeiro.

- Garantir o acesso igualitário e livre do imigrante a serviços, programas e benefícios sociais;

- Repudiar práticas de expulsão ou deportação coletivas

- Eliminar a discriminação e garante aos migrantes os mesmos direitos humanos assegurados aos brasileiros

- Desburocratizar os procedimentos de regularização migratória e prevê anistia aos migrantes que já se encontram em território nacional

- Prevê a concessão de visto humanitário para migrantes que necessitam de acolhida especial, como é caso dos haitianos e sírios

- Dá amplo acesso à Justiça e à assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos

- Dá direito de sair, permanecer e ingressar no Brasil mesmo enquanto pendente pedido de residência

- Assegura ao imigrante exercer cargo, emprego e função pública

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