O político populista que pode favorecer Le Pen na França
Líder da França Insubmissa não dará instruções aos seguidores para o segundo turno, deixando que decidam uma posição comum por votação
Jean-Luc Mélenchon preferiu não escolher, em nome da “inteligência coletiva”. Ao contrário de praticamente todos os líderes políticos, o candidato da França Insubmissa, que obteve 19,6% dos votos no primeiro turno das eleições francesas, não dará nenhuma orientação para a segunda etapa. Deixará que seus seguidores dessa plataforma de esquerda antiliberal assumam uma posição comum, através de uma votação pela internet que começa nesta terça-feira. O resultado deve ser divulgado até o final de semana. Os participantes terão diversas opções. “Exceto uma, que todo mundo entenderá: nem um único voto para a Frente Nacional”, afirmou na segunda Éric Coquerel, coordenador do Partido de Esquerda, um dos pilares da plataforma. Os adeptos de Mélenchon deverão escolher entre prestar apoio a Emmanuel Macron, votar em branco ou se abster.
Nesta segunda-feira, a postura do líder antiliberal gerou críticas nas demais legendas e incompreensão entre o seu próprio eleitorado. Já desde a noite da votação, enquanto Macron era apoiado pelos antigos rivais, Mélenchon mantinha silêncio. “Cada um sabe, segundo sua consciência, qual é o seu dever”, limitou-se a insinuar. Em 2012, o candidato havia pedido votos para François Hollande ao ser eliminado no primeiro turno.
E para marcar seu enfrentamento, apresentou-se depois contra Marine Le Pen em sua jurisdição eleitoral. Em 2002, após o desastre da esquerda diante de Jean-Marie Le Pen, ele não hesitou em pedir votos para Jacques Chirac. “Não devemos vacilar. Seja como for, votem. Façam Le Pen descer até o ponto mais baixo”, expressava num vídeo que viralizou. Numa entrevista em 1977, Mélenchon propunha inclusive “proibir a Frente Nacional”.
A mudança responde à horizontalidade defendida por sua plataforma, rompendo com os métodos dos partidos tradicionais e seu costume paternalista com relação aos eleitores. Mas responde também à composição heterogênea de seu novo eleitorado. Segundo uma pesquisa do instituto Ipsos para o jornal Le Monde, 9% de seus eleitores apoiam o voto em Le Pen no segundo turno, enquanto 29% não têm preferência por nenhum candidato. A Frente Nacional, com seu vice-presidente Florian Philippot na primeira linha, começou a dirigir nesta segunda seus cantos de sereia a esses votantes, exagerando os pontos comuns de seu programa, além da defesa dos serviços públicos e do euroceticismo. Mélenchon parece fazer tudo para não espantar esse eleitorado, embora com o risco de se distanciar dos 60% restantes. A outra coordenadora do Partido de Esquerda, Danielle Simonnet, insistiu que “nenhum voto deve ir para Le Pen”. Mas acrescentou: “Macron, como todas as direitas ultraliberais na Europa, é responsável pela ascensão da extrema-direita.”
Poderão participar da votação todos os internautas inscritos na plataforma, denominados “apoios” na terminologia do partido. Para integrar suas fileiras, bastava dar um nome e um código postal, sem nenhum tipo de compromisso. Ainda assim, um em cada seis afiliados acabou realizando uma doação voluntária, fazendo com que a França Insubmissa arrecadasse 2 milhões de euros (6,8 milhões de reais) no total. O número desses militantes sem carnê é impreciso. Durante a noite da eleição, o próprio Mélenchon mencionou 450.000 pessoas, agrupadas em 2.700 comitês espalhados por todo o território francês
Primeiro em quatro das 10 grandes cidades
Apesar da decepção com o resultado, a derrota de Juan-Luc Mélenchon não foi tão amarga. Ele obteve oito pontos a mais que nas eleições presidenciais de 2012, triplicou o resultado do Partido Socialista e ficou a apenas dois pontos do segundo turno. Além disso, foi o primeiro colocado em quatro das 10 cidades mais populosas da França: Marselha (25%), Toulouse (29%), Lille (30%) e Montpellier (31,5%). O desafio de Mélenchon agora é prolongar essa posição de força até as eleições legislativas de junho, para traduzir o resultado histórico num número elevado de deputados e consolidar seu status de chefe oficioso da oposição de esquerda durante o próximo Governo. Não será fácil. Em 2012, a esquerda radical só conseguiu 10 deputados num total de 577, metade do alcançado na legislatura anterior. O próprio Mélenchon estuda se apresentar no departamento de Seine-Saint Denis, no explosivo subúrbio de Paris, onde também ficou em primeiro, com 34% dos votos e 10 a mais que Macron.
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