O dia em que Chuck Berry deu um soco em Keith Richards
A relação entre o mestre, que morreu aos 90 anos, e o pupilo foi cheia de paixão, rock and roll e brigas
Pepe Risi, guitarrista da banda de rock de Madri Burning, me disse em uma entrevista: “Não quero conhecer Chuck Berry. É o homem que me levou a começar a tocar guitarra. Meu ídolo. Mas dizem que tem um caráter muito ruim, que é um idiota. Prefiro tê-lo no meu coração". Risi jogava com uma vantagem: era improvável que o roqueiro espanhol se encontrasse com Berry (que morreu em 18 de março de 2017). Quem o conheceu foi Keith Richards.
A história do guitarrista dos Rolling Stones com seu ídolo foi escrita com fogo em forma de paixão, paciência e violência. Não é preciso ser um estudioso dos pentagramas para comprovar que 70% da forma de tocar de Richards está baseada em canções de Berry. Principalmente no princípio de sua carreira, durante os anos 1960 e 1970, quando os Stones tocavam rock and roll sujo.
Mick Jagger, Keith Richards, Pete Townshend, Eric Clapton, Ray Davis, John Lennon e toda tropa pioneira do rock não teriam sido os mesmos sem a enorme influência de canções de Berry, como Rock and Roll Music, Johnny B. Goode (levanta a mão quem nunca cantarolou), Roll over Beethoven e Mabybellene.
Foram necessários muitos anos até que Richards pudesse trabalhar lado a lado com Berry. Foi em um projeto no qual Keith colocou toda a energia e expectativa do mundo. Em 1987, decidiu realizar um espetáculo documental em homenagem a Berry. O nome foi Hail! Hail! Rock and Roll e , apesar de o diretor ter sido Taylor Hackford, Richards exerceu o papel de produtor e de chefe.
O stone convocou todos os seus amigos disponíveis para assim se ajoelharem ante o melhor, Berry. Roy Orbison, Eric Clapton, Etta James, Linda Ronstadt, Julian Lennon... Todos coordenados por Richards e interpretando canções de Berry, que os acompanhava sobre o palco.
O guitarrista dos Rolling Stones engolia seu ego cada vez que tinha um desses encontros criativos com seu ídolo, Chuck Berry
O grande momento do documentário ocorre durante os preparativos. Keith e Chuck ensaiam Oh Carol, um dos clássicos de Berry que os Stones incluíram em seu repertório desde os anos 1960. Keith toca a guitarra como fez milhões de vezes com total confiança. Mas Berry cutuca seu ombro, o obriga a parar e diz: “Não, não, não é assim. Deixa eu te dizer, eu que compus. Quer fazer direito?”, Richards, aos 44 anos naquela época, não dá crédito. Está imitando à perfeição a forma de tocar, mas seu criador diz que está executando mal. O chiclete que tem na boca é que sofre com sua frustração: mastiga com raiva.
Deus brigando com Deus. O stone nunca havia feito um esforço de contenção tão profundo. As câmeras captam como Richards faz cara de “porque é meu ídolo, senão...”. Olha para o pianista Johnnie Johnson, que também não pode acreditar no que Berry está fazendo. No fim, Keith engole seu orgulho e faz o que Berry manda.
É difícil acreditar que um homem tão acostumado a brigas de bar como Richards tenha se rendido aos desejos de Berry. Assim era a paixão que sentia por seu mestre. O momento mais extremo de sua relação foi contado pelo guitarrista dos Rolling Stones no programa de Jimmy Fallon. O apresentador lhe pergunta: "Escutei uma história que não sei se é verdade. Berry te acertou um soco na cara?". "Sim, ele fez isso", responde o stone.
"Foi depois de um show de Chuck”, explica Richards. E continua: "Entrei em seu camarim e vi sua guitarra, enfiada em uma caixa. E me disse: ‘Venha, Keith, dê só um toque nessa guitarra’. E eu fui. Então Chuck chegou e me disse: ‘Ninguém toca a minha guitarra’. E me deu um soco na cara”. Richards termina a história com ironia: "Foi um dos grandes hits de Berry".
Mestre e pupilo passaram anos assim, com esses encontros pontuais. Se gostavam, e por isso mantinham distância.
Logo após saber de sua morte, Richards publicou em sua conta no Instagram imagens dos dois juntos.