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Coluna
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Aquelas mãos de mulher levando em silêncio a lista dos malditos de Janot

Será que Janot confiou mais na lealdade e na prudência feminina para transportar aquele material precioso e incendiário, capaz de tirar o sono da nata da classe política?

Janot ouve o ministro do Supremo, Edson Fachin, no STF.
Janot ouve o ministro do Supremo, Edson Fachin, no STF.UESLEI MARCELINO (REUTERS)
Juan Arias

Eram cinco em ponto da tarde, a hora do poeta espanhol García Lorca. As caixas com os nomes dos malditos da lista de Janot chegaram ao prédio da Suprema Corte em dois carros escuros. Pelo subsolo, foram carregadas apenas por mãos femininas até o cofre blindado.

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Por que o procurador-geral, Rodrigo Janot, escolheu somente braços femininos para transportar a preciosa, e para muitos maldita, caixa de Pandora com 320 pedidos de investigação por crimes de corrupção? Entre eles figuram, de acordo com os primeiros vazamentos, além de senadores, deputados e governadores, nada menos do que o presidente do Senado, o presidente da Câmara dos deputados e os dois últimos presidentes da República, Dilma Rousseff e Lula da Silva.

Vendo as imagens daquelas mulheres levando solenes, em silêncio, as caixas pelos corredores do Supremo, uma apresentadora da Globo News perguntou: “Por que só mulheres?” “Por que não escolheram braços masculinos para carregar aquele peso?” Não obteve resposta.

Não era difícil fazer aquela pergunta, assim com não é o fato de usar aquelas imagens como metáfora, que levam a outras perguntas: Será que Janot confiou mais na lealdade e na prudência feminina para transportar aquele material precioso e incendiário, capaz de tirar o sono da nata da classe política?

A mulher, sabemos, continua discriminada, também no campo da política, apesar de todos os movimentos feministas do mundo. Na Câmara, que tem mais de 500 deputados, apenas 40 são mulheres. E no Senado se contam nos dedos das mãos. Entre os governadores creio que há apenas uma mulher. E quando o presidente Temer formou seu primeiro Governo não havia nenhuma ministra.

Elas são igualmente corruptas que os homens? Algumas sim, a maioria não. E isso por que são mais puras do que eles? Não. Talvez porque a mulher veja a política como feminina e tenha repugnância a virilizá-la com a corrupção de bens que deveriam servir para aliviar a dor dos mais frágeis. E em relação ao social (não me crucifiquem) a mulher é mais sensível do que o homem.

Elas são capazes, melhor do que o homem, de ver o poder como serviço e não como privilégio. Têm mais pudor em roubar do que os homens. É só ir às prisões e ver a imensa desproporção entre presos e presas. E isso acontece em todo o mundo, embora elas sejam maioria do planeta.

Discute-se como regenerar a política. Certamente seria mais próxima da vida se nela convivessem mais mulheres, que melhor conhecem, por exemplo, o que é ser chefe de família entre os pobres. São elas que conhecem, melhor do que nós, a dor do mundo.

Também existem as mulheres sedentas de poder, ladras, cúmplices, incompetentes? Claro que sim. Algumas também estão na lista maldita. Nunca, no entanto, tantas, proporcionalmente, e com tão pouco pudor quanto os homens.

Talvez a delicada tarefa de confiar a lista de Janot a mãos femininas tenha sido uma homenagem por causa da discriminação que a mulher continua e continuará sofrendo por muito tempo na política.

Além disso, porque, quando chegam as eleições, terrível paradoxo, as mulheres preferem continuar votando “neles”.

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