Política externa é peça-chave para futuro do combate à corrupção no Brasil
Deve ficar para uma próxima liderança política o papel de protagonista no combate à corrupção na América Latina
O terremoto político, causado pelas revelações de anos de pagamentos milionários e sistemáticos em suborno a políticos da América Latina pela Odebrecht e outras grandes empresas, é um desastre para o Brasil e sua política externa dos últimos 15 anos.
A estratégia do governo de impulsionar a influência do Brasil ao apoiar suas grandes empresas no exterior — a chamada 'internacionalização do capitalismo brasileiro' — foi um pilar fundamental da política externa regional a partir de meados dos anos 2000. Essa política permitiu ao país não apenas alcançar visibilidade e acesso sem precedentes, de Buenos Aires à Cidade do Panamá (onde antes tinha pouca influência), mas também estabelecer uma narrativa sobre seu impacto estabilizador e modernizador na América Latina.
No entanto, apesar de as investigações da Lava Jato ainda estarem em andamento, já ficou claro que, por meio de suas “campeãs nacionais”, o Brasil também promoveu a má governança e a corrupção em uma região onde o Estado de Direito está longe de consolidar-se plenamente. O caso abalou a reputação brasileira e suas ambições de liderança regional, já enfraquecidas devido a sua crise econômica e política. Por exemplo, depois de operar no Peru há quase 40 anos, a Odebrecht pode ter de deixar o país vizinho, que acusa a empresa de ter corrompido as últimas três administrações peruanas. Pode-se esperar que outros países sigam seu exemplo. Em vários deles, como no Panamá, estima-se que o cancelamento de obras pode levar a uma queda de 1% no PIB, uma vez que houve grandes apostas em investimentos em infraestrutura.
No entanto, a crise também representa uma oportunidade ímpar para fortalecer as instituições democráticas e recuperar a reputação do Brasil. Nesse contexto, a cooperação regional para combater o crime organizado e a corrupção — provavelmente o maior desafio da América Latina hoje — será essencial.
Primeiramente, o Brasil deve fazer do combate à corrupção um ponto central de sua política externa, ajudando os promotores públicos, as forças-tarefa da Polícia Federal e os juízes a conquistarem e manterem suas próprias plataformas e canais de comunicação institucionalizados em toda a região. Formar especialistas e apoiar a criação e o fortalecimento de forças-tarefa regionais facilitarão o intercâmbio de informações, particularmente nos países onde essas estruturas inexistem, ainda não têm a força necessária ou não são politicamente independentes. No caso da investigação da Odebrecht, isso já está acontecendo: os promotores de toda a região estão agora em contato frequente para coordenar o processo de negociar acordos de colaboração entre a empresa e os Ministérios Públicos em nove países. É um processo altamente complexo e pode gerar fricções: recentemente, o governo colombiano se queixou de que não foi consultado na decisão sobre como dividir a multa de quase 4 bilhões de reais que a Odebrecht terá que pagar a Suíça, EUA e Brasil.
Em segundo lugar, escolas de Direito poderiam acelerar o estabelecimento de redes regionais para promover o debate entre estudantes, promotores públicos, formuladores de políticas públicas, jornalistas investigativos e ativistas, entre outros atores, sobre o enfrentamento da corrupção. Poderiam igualmente aproveitar elementos da Operação Lava Jato (incluindo acordos de leniência) e da Lei de Acesso à Informação para refletir sobre como ações semelhantes podem ter início ou se fortalecer em outros países. Pode-se também estudar como empresas vêm tentando adotar requisitos de compliance mais rigorosos e criar departamentos específicos anticorrupção. Conviria que os debates analisassem as causas sistêmicas da corrupção, como, no caso brasileiro, o número excessivo de partidos políticos e o alto custo das campanhas.
Finalmente, a agenda anticorrupção merece tornar-se um assunto-chave das instituições regionais existentes e uma prioridade durante as reuniões do Mercosul, da UNASUL e da OEA. Dessa maneira, o tema poderá institucionalizar-se e integrar-se ao dia a dia da política externa, obrigando futuros governos a lidar com ele. No âmbito do Mercosul, em particular, os membros poderiam criar um mecanismo de monitoramento mútuo — a chamada peer pressure — para adotar legislação mais ambiciosa contra a corrupção, a ser revisada periodicamente, visando evitar retrocessos, como as atuais tentativas de anistia geral a crimes ligados a doações eleitorais.
O Brasil deve liderar esta empreitada. O novo chanceler, Aloysio Nunes, precisaria mostrar à região que o Brasil é capaz de assumir a dianteira nos esforços internacionais para ajudar a refrear a corrupção na América Latina. Isso envolveria a delicada situação de visitar países vizinhos, afetados pela Lava Jato, para fazer um pedido público de desculpas. Sem antes lidar com as consequências regionais da investigação, qualquer tentativa do Brasil de recuperar seu espaço de influência na América do Sul estará fadada ao fracasso.
A maior parte dessa estratégia requer uma visão que o atual governo brasileiro não tem. Mesmo se tivesse, a possibilidade de Nunes — cujo nome foi mencionado em delações da Lava Jato — precisar se afastar do Itamaraty daqui a 13 meses, caso pretenda concorrer a um cargo eletivo em 2018, já limita seu espaço de manobra.
Tudo indica que ficará para uma próxima liderança política o papel de protagonista na implementação dessa estratégia regional, fundamental para o desenvolvimento da América Latina.
Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo, onde coordena a Escola de Ciências Sociais em São Paulo e o MBA em Relações Internacionais. Também é non-resident fellow no Global Public Policy Institute (GPPi) em Berlim, membro do Carnegie Rising Democracies Network
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