22 fotos
Os bate-bolas, a cor da periferia do Rio Nas praças da zona norte e oeste da cidade, não há rainhas da bateria, nem blocos. Aqui o Carnaval é de turmas de homens mascarados com fantasias tão belas como assustadoras A turma Visão, do bairro de Oswaldo Cruz, homenageou o Capitão América. Os entendidos falam que existem entre 400 e 700 grupos, de cinco a mais de cem membros, um número impossível de comprovar. Alan Lima Os enredos dos bate-bolas apelam à cultura de massas e ao entretenimento infantil. Há princesas e super-heróis. E o cardápio de personagens da Disney recebe tratamento de Bíblia. A turma da foto homenageou Fidel Castro aproveitando a recente morte do cubano. "Não sei muito dele, ele fez coisas boas e coisas ruins, e, este ano, tivemos que escolher o tema muito rápido", conta o cabeça do grupo. Alan Lima Amarrados a uma tradição de mais de 80 anos, os bate-bolas, também chamados de clóvis – uma evolução da palavra inglesa clown que significa palhaço –, passam o ano inteiro costurando sua própria fantasia, longe do Sambódromo e fora do sinal das transmissões oficiais de televisão. Sua origem, sempre associada à periferia carioca e ao estigma de toda fantasia com máscaras e à classe social dos foliões, remonta-se ao período colonial português. Alan Lima A turma dos Cobra encarnam a face mais violenta dos bate-bolas, uma tradição majoritariamente festiva que colore bairros da periferia. Com cerca de 100 membros, o objetivo do grupo é atrair ainda mais gente e manter seu poderio em Marechal Hermes. Alan LIma Os Cobra têm músicas de funk sobre eles mesmos. “O Cobra está boladão /e já mandou se cuidar/não bota a cara na pista pra você não apanhar/Não pisa no nosso calo pra tu não morrer”. Alan Lima A turma do Cobra recuperou neste ano o tema de 1995, uma homenagem a Conan. Eles lembram desse ano como o momento no qual a turma deixou claro quem ia mandar em Marechal Hermes. "Demos um basta à invasão de outros grupos", conta o líder, Rodrigo. Depois de 25 anos de história, os Cobra consideram-se os mais numerosos e temidos. Alan Lima A paixão dos homens pela tradição dos bate-bolas acaba arrastando à família toda para a rua. A praça principal de Marechal Hermes, neste final de semana era uma mistura de turmas coloridas. Há concursos oficiais e extra-oficiais de bate-bolas, mas o verdadeiro júri está nas ruas. Um bate-bola, dizem, sempre sabe se ganhou. Alan Lima A brincadeira é essencialmente masculina. As mulheres costumam ficar fora da tradição, embora já existem turmas femininas e algumas, bem poucas, se uniram aos homens na brincadeira. A elas cabe olhá-los com desejo e, em muitas ocasiões, ter paciência. É comum ouvir os bate-bolas lamentando que a esposa ficou em casa chateada. Alan Lima O calçado é muito importante para os bate-bolas. Há turmas que investem na fabricação dos sapatos e outras que preferem ostentar com tênis de grife que podem custar até 1.000 reais, disparando o preço total da fantasia. Muitos deles vestem os tênis ainda com a etiqueta. Alan Lima Precedidas de uma generosa queima de fogos, as turmas irrompem das portas metálicas de estacionamentos, oficinas mecânicas ou quintais do bairro. Tomam as ruas com passos de funk –só às vezes de samba–, descarregando a energia acumulada durante um ano. Alan Lima Os bate-bolas são palhaços com rostos diabólicos, mas vestidos delicadamente com volumosos macacões de cetim, luvas, meias e penas coloridas, e casacas com desenhos infantis feitos a mão e cheios de glitter. Seus nomes –Amizade, Cobra, Agonia, Magnata, Zorra Total, Fascinação, Talibã...– penetraram nos bairros de Marechal Hermes, Madureira, Banga, Realengo, Piedade, Jacarepaguá, Cidade de Deus... Alan Lima Algumas turmas costumam alugar ônibus para brincar em outras zonas da cidade. Alan Lima Os minutos de silêncio por bate-bolas caídos poderia somar horas. Esta turma homenageu um colega morto em briga de rua. Alan Lima "A brincadeira é uma disputa para ver qual é o mais bonito, qual grupo gastou mais para fazer a sua fantasia. Quando apontamos a câmera para um bate-bola ele se sente lisonjeado. Se houver algum figurante de outro grupo, aquele que foi fotografado irá desqualificar o outro que não foi", relata o fotógrafo Gustavo Stephan, que fotografa o Carnaval do subúrbio desde 1992. "Os grupos de bate-bolas buscam um reconhecimento no Carnaval e seus integrantes querem mostrar para a sua comunidade que podem pagar caro por suas fantasias, com o objetivo de ser respeitado na vizinhança". Alan Lima "O que mais aprendi com os bate-bolas, entre aspas porque sempre tive isso dentro de mim, é a perseverança. Eles trabalham muito, o ano inteiro fazendo cada detalhe da fantasia. Eles têm que estampar várias cores, colocar glitter nelas para conseguir o brilho e fazer mais uma infinidade de trabalhos para ficar na rua três ou quatro dias. É muita força de vontade", relata o fotógrafo Bruno Falcão que acompanhou por seis anos várias turmas de bate-bolas. Alan LIma A pesquisadora Aline Valadão ilustrava em sua tese de 2005 como a sociedade via os bate-bolas. De cem entrevistas, 88% delas mencionavam que o bate-bola bate nas pessoas e 62% falava do seu caráter assustador. Alan Lima As cenas de brigas entre bate-bolas entristecem demais Leandro Oliveira, um bate-bola de 40 anos que desfila desde criança e vê como sua paixão se mistura com a violência já habitual desses bairros. Alan Lima Oliveira, que hoje coordena e desenha o Carnaval da Enigma, sua pequena turma que comemora o décimo aniversário, lamenta: “A violência piorou entre os grupos. As redes sociais espalham o terror e prejudica muito a tradição. Você não pode esconder a violência por trás de uma fantasia, porque está nos prejudicando a todos. É um câncer a ser extirpado. É pequeno, mas é mortal". Os clóvis são o resultado da mistura de várias festas populares europeias. Há influência dos palhaços da Folia de Reis, dos bailes de máscaras franceses e de elementos das festas medievales do continente. Alan Lima As crianças se dividem entre o temor que os bate-bolas lhes provocam e a fascinação pela brincadeira. Para eles, se a família não tiver condições de pagar a fantasia, resulta difícil desfilar. Este menino em cadeira de rodas leva uma fantasia usada e tem duas paixões: o Real Madri e os bate-bolas do bairro. Alan Lima No final de semana, a praça principal de Marechal Hermes lotou-se de bate-bolas presumindo de fantasias e competindo com outras turmas. Alan Lima Dona Regina é a mãe de Rodrigo, o líder dos Cobra, e todo ano transforma sua papelaria em uma loja de artigos para bate-bolas. Ela é uma das organizadoras dos concursos extra-oficiais de bate-bolas e quem escolheu o cheiro desse ano dos Cobra: essência de melância. Alan Lima