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Refugiado que fez selfie com Merkel enfrenta o Facebook por difamação

Jovem sírio processou a rede social para que retire informações que o acusam de terrorista

Natalia Sancha

Em agosto de 2015, a selfie que um jovem refugiado sírio fez com a chanceler Angela Merkel tornou-se o ícone da política de acolhida da Alemanha. Dois anos depois, esse mesmo jovem, Anas Modamani, de 19 anos, é o primeiro refugiado a levar o Facebook aos tribunais pela publicação de várias notícias falsas na rede social que o acusam de terrorismo.

Anas Modamani com Angela Merkel, quando ele tirou uma selfie com a chanceler.
Anas Modamani com Angela Merkel, quando ele tirou uma selfie com a chanceler.Fabrizio Bensch (REUTERS)

“Esse tipo de notícia falsa tenta fomentar o ódio contra os refugiados que vieram para cá em busca de paz e segurança. Além disso, difamam as políticas de acolhimento de Merkel”, diz Modamani por telefone da capital alemã onde vive. Em pelo menos 50 ocasiões, diz o jovem, usuários com perfis anônimos espalharam sua imagem conectando-o com atentados terroristas na Europa. A mais recente o responsabilizou pelo brutal ataque sofrido por um mendigo feito por pessoas que estavam pedindo asilo. “O Facebook é a plataforma mais importante entre as diferentes redes sociais e é responsabilidade dele retirar as falsas notícias que difamam e incitam o ódio”.

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Modamani sofreu assédio em quatro ocasiões na rua após a difusão dessas calúnias. “Volte para seu país! Recebemos você e traz a guerra para nosso solo?.” O jovem assegura que conseguiu explicar a essas pessoas a falsidade das informações e que elas acabaram pedindo desculpas. “Sou uma boa pessoa, trabalhador e sou grato por viver em um país em paz. É justo lutar para defender a verdadeira imagem de refugiados”.

As redes sociais se transformaram no canal favorito para compartilhar informações e imagens de forma imediata, nua e crua, sem filtros ou árbitros para comprovar a veracidade dos fatos publicados. No caso de Modamani um simples clique lançou uma imagem, duas mensagens. Em uma versão dá um rosto à política de acolher refugiados na Alemanha. Na segunda é a cara do terror importado para a Europa. O Facebook desenvolveu um império cibernético no qual interagem 1,86 bilhão de usuários. Equivalente a quase um terço do planeta. A Alemanha é um dos países com maior proporção de usuários, estimados em 25 milhões mensais, um terço da população nacional.

“Sou uma boa pessoa, trabalhador e sou grato por viver em um país em paz. É justo lutar para defender a verdadeira imagem de refugiados”

Modamani, que estuda alemão e trabalha como caixa em um restaurante de fast food, investigou as possibilidades de levar seu caso aos tribunais. Foi ironicamente através do Facebook que procurou um advogado. Chan-Jo Jun aceitou representá-lo e, na segunda-feira passada, participaram do primeiro julgamento. A defesa do Facebook afirmou ter removido várias imagens a pedido da vítima, mas reiterou que a responsabilidade legal pelo conteúdo recai sobre os usuários e não sobre a empresa. “Em pleno julgamento meu advogado abriu seu computador e mostrou as mesmas imagens ainda disponíveis no Facebook. A lei diz que eles têm 24 horas para removê-las, mas como sou um simples refugiado não se importam”, diz o jovem.

“As falsas notícias sobre a guerra na Síria deformaram a percepção do conflito no mundo. Agora as falsas notícias tentam transformar os refugiados que chegaram à Europa em terroristas. A desinformação deliberada afeta a vida de pessoas inocentes”. Este refugiado, por exemplo, fugiu no verão de 2015 de Daraya, cidade periférica de Damasco. Cruzou para o Líbano e, daí, para a Turquia. Atravessou em balsa o Mediterrâneo até tocar a costa grega e levou um mês e meio para atravessar todas as fronteiras dos países que o separavam da Alemanha. “Fiz o caminho sozinho, sem família ou amigos. Foi muito difícil, mas valeu a pena”.

E está disposto a embarcar nesta nova jornada e investir o tempo necessário para desmontar uma mensagem que um punhado de usuários demorou poucos segundos para espalhar. Sua determinação reabriu o debate sobre os direitos individuais na esfera digital e questionou a cadeia de responsabilidade. Uma pergunta para a qual a lei ainda não tem uma resposta. No próximo 7 de março, Anas Modamani vai voltar ao tribunal para limpar sua imagem e, com ela, a do resto dos refugiados.

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