Recessão cobra sua fatura na cidade símbolo do petróleo no Nordeste
Em Carmópolis, em Sergipe, o desemprego bate à porta das famílias agravado pela crise da Petrobras
Todos os finais de tarde, o município de Carmópolis, a 50 quilômetros de Aracaju, se tinge de um tom alaranjado, que nada tem a ver com o pôr do sol. A pequena cidade de Sergipe fica com as ruazinhas movimentadas no horário da saída das centenas de funcionários da Petrobras vestidos com o tradicional uniforme macacão laranja da estatal. Cerca de 15.000 habitantes vivem na cidade conhecida por seus poços de exploração de petróleo. Centenas de cavalos – como são chamadas as bombas que sugam o óleo do fundo da terra – se misturam à bucólica paisagem de uma cidade pequena do interior de Sergipe.
Carmópolis é um símbolo da história do petróleo no Nordeste e no Brasil. Foi o segundo poço em terra descoberto, em 1963, e ainda hoje é um campo de enorme produção, sendo responsável por quase 44% do total produzido em Sergipe. “Emprego aqui significa Petrobras”, disse Moisés dos Santos, 55, dono de uma pequena lanchonete na cidade. Agora, no entanto, a estatal começar a virar fantasma de desemprego. Dos três filhos de Santos, um ainda trabalha para a estatal e outro acaba de ser demitido dela. “As pessoas estão indo embora da cidade porque não acham outro emprego. Só fica aqui quem é aposentado, porque não dá nem para plantar alguma coisa já que todo lugar aqui é um poço de petróleo”.
O cenário de Carmópolis é a parte visível da recessão brasileira, confirmada nesta terça pela divulgação da queda do PIB de 3,6% no ano passado, a segunda queda anual seguida. O consumo que cai a oito trimestres, segundo os dados oficiais, se explica pelo desemprego crescente. E nesse tópico, o Nordeste lidera a redução de postos de trabalho. No final do ano passado, os estados nordestinos tinham uma taxa de 14,4% de desocupação, a maior do país, contra 10,5% no final do ano anterior. A taxa nacional era de 12% em 2016.
A crise específica da Petrobras é a outra face cruel que vai mudando a vida dos moradores de Carmópolis. A queda no preço do petróleo, a desvalorização do real, a profunda investigação sobre a corrupção na petroleira e a postergação de projetos estratégicos golpearam a Petrobras, levando a um prejuízo recorde de 34,8 bilhões de reais em 2015. A crise e os números fizeram com que a companhia anunciasse um plano de desinvestimento no Brasil e no exterior, o que significa, por tabela, enxugar quadro de funcionários. Constitui-se de um pacote de medidas a serem tomadas no período de 2017 a 2020 para reduzir o endividamento da estatal. Segundo o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Montagem e Manutenção Industrial do estado de Sergipe, nos últimos dois anos cerca de quatro mil demissões ocorreram no estado.
Antonio José de Sousa, 59, viveu na pele a ascensão e a queda da estatal. Como técnico de segurança do trabalho, foi funcionário concursado da Petrobras de 1977 a 1997, quando se aposentou - seu trabalho envolvia risco, por isso aposentou-se mais cedo. Com a aposentadoria, comprou uma carreta e foi trabalhar na estrada. "Mas a minha paixão era mesmo cuidar de gente", conta.
Por isso, voltou à companhia em 2002, como funcionário terceirizado. Trabalhou até 2014, quando, após o término de uma obra, seu contrato não foi renovado. "Naquela época, cerca de 3.000 a 4.000 funcionários já haviam sido demitidos". Ao contar do sentimento que tinha pela Petrobras, Sousa se emociona. "Eu tinha muito orgulho", diz, com os olhos marejados. "Mas o que fizeram com a gente foi uma mentira. Os diretores chegavam falando em ética".
Ele diz que do grupo de colegas que trabalhavam com ele e também foram demitidos muitos poucos conseguiram se recolocar. "As pessoas estão desempregadas, endividadas", diz. "Eu estou tentando achar um trabalho, mas para a Petrobras eu não volto. Nosso suor foi roubado".
Em Sergipe, os desinvestimentos incluem a cessão dos direitos de exploração e desenvolvimento de 12 concessões em terra e cinco em águas rasas. Sobrarão o campo de Carmópolis, em terra, e Piranema, em águas profundas. O plano prevê a saída da Petrobras até mesmo da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados (Fafen). As medidas anunciadas não foram bem recebidas no Estado. “A Petrobras está virando as costas para o Nordeste”, diz Ricardo Lacerda. “Do Ceará à Bahia, todos os Estados do Nordeste estão sofrendo com o desinvestimento, que é uma mistura de privatização com encolhimento e reestruturação”. Ele explica que desde o final dos anos 60, o petróleo é o principal sustentáculo da economia do Estado. Ainda hoje, o extrativismo mineral, que engloba petróleo, gás e calcário, representa 7,1% do PIB de Sergipe em 2014. “No país, esse percentual é de 3,7%", diz Lacerda.
Para o economista, o impacto do plano de desinvestimento já está ocorrendo. "No segundo semestre de 2016, mais de 1.000 terceirizados da Petrobras foram demitidos", diz. "E isso já está impactando no PIB de Sergipe, que em 2014, já ficou abaixo da média do Nordeste, o que não é comum". Ele explica que em uma série dos últimos 20 anos, Sergipe cresce mais do que o Brasil e mais do que o Nordeste na maioria dos anos. "Mas em 2014 ficou abaixo e em grande parte por conta da questão do petróleo".
Além de quiosques, cadeiras e guarda-sóis pela areia, as praias de Aracaju têm um elemento extra. Olhando para o horizonte, o mar é repleto de navios e plataformas de exploração de petróleo. A história da exploração mineral ali inicia-se na década de 50, quando a Petrobras chegou ao Estado. "Naquela época, o crescimento de Aracaju foi tão rápido, que não tinha casa para as pessoas que estavam chegando para morar", conta o economista Ricardo Lacerda. "Aracaju se transforma por causa da chegada da Petrobras e isso é muito reconhecido aqui".
Por causa da exploração mineral, Sergipe foi o Estado que mais cresceu no Nordeste entre as décadas de 70 e 80, explica Lacerda. Mas nos últimos anos, a produção foi caindo, conta Oliveira Jr, assessor de políticas de desenvolvimento do Estado. "Em 2016 a produção de petróleo no Estado já estava 11% abaixo do ano de 2015, e nesse ano já havia caído 19% em relação ao anterior", diz.
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