Uma brecha para a América Latina na disputa entre os EUA de Trump e a China
Economia adversa, deslocamento de poder para a Ásia e nacionalismo populista no mundo influenciam rumos da política latino-americana
Nas capitais da América Latina, o debate sobre os prováveis acontecimentos políticos internos de 2017 está a pleno vapor. Qual a capacidade do governo Temer de implementar sua agenda de reformas? Quem será o sucessor de Rafael Correa no Equador? Como se desenrolará a crise na Venezuela? A previsão de eventos específicos é difícil, mas uma análise do ambiente internacional aponta para tendências que terão uma influência significativa nos desdobramentos políticos regionais ao longo do ano que se aproxima.
Três questões globais se destacam: um cenário econômico extremamente adverso, o deslocamento de poder para a Ásia e a ascensão do populismo nacionalista na Europa e nos Estados Unidos.
O ambiente macroeconômico no qual os governos latino-americanos terão de operar não poderia ser pior. Tradicionalmente, preços baixos de commodities implicam crescimento reduzido, governos impopulares e intolerância pública à corrupção. Nesse cenário, turbulências políticas ocorrem frequentemente, como tem sido o caso na região ao longo dos últimos anos. A expectativa de elevação da taxa de juros nos Estados Unidos em função do aumento nos gastos públicos prometido por Trump complicará a situação ainda mais, na medida em que pode levar à fuga de capitais da América Latina, dificultando o pagamento de dívidas por parte dos governos da região.
O que essa combinação de preços baixos de commodities e um possível aumento dos juros nos EUA significa para a política na América Latina em 2017? Baixo crescimento, pífias taxas de aprovação da maioria dos governos e frequentes protestos anticorrupção. Um exemplo histórico desse fenômeno é a “década perdida” dos anos 1980, que não pode ser explicada sem considerar a elevação dos juros do Banco Central estadunidense à época.
Por outro lado, os acontecimentos na América Latina em 2017 serão moldados por um deslocamento de poder sem precedentes do Ocidente em direção à Ásia. Os Estados Unidos e a Europa, outrora capazes de definir a agenda global, estão adotando uma postura voltada para dentro, cada vez mais cética a respeito da globalização e menos disposta a assinar acordos comerciais. Isso ocorre exatamente no momento em que se estabeleceu um consenso em países como Brasil e Argentina de que a abertura ao comércio é um pré-requisito para a recuperação econômica.
Agora, Pequim parece ser o único parceiro a oferecer uma oportunidade significativa, já tendo assinado acordos com Costa Rica, Peru e Chile e atualmente em negociação com a Colômbia. Da mesma forma, quando se trata de atrair investidores para modernizar a infraestrutura da região, nenhum país oferece tanto quanto a China. No atual cenário, em que Trump prometeu retirar os Estados Unidos da Aliança Trans-Pacífico (TPP, na sigla em inglês), Pequim se depara com um mundo de oportunidades na América Latina. O que isso representa para a região em 2017? Ao passo que países do Pacífico já se adaptaram à nova realidade, a região como um todo terá de passar por um processo de reorientação estratégica para se adequar a um mundo menos centrado nos Estados Unidos. Isso implicará, deixando questões ideológicas de lado, aprender a beneficiar-se da competição global emergente entre Washington e Pequim — dinâmica que tende a marcar a década que está por vir.
Por fim, a ascensão do populismo nacionalista nos Estados Unidos e na Europa representa o maior perigo para a democracia em décadas. A nova política “pós-verdade” e identitária ameaça minar as principais vantagens das democracias sobre as autocracias: sua qualidade estabilizadora, seu compromisso com os fatos, sua aceitação da diversidade e da globalização, além de sua capacidade de integrar migrantes de todo o mundo. As democracias hoje são vistas como fonte de mais imprevisibilidade do que regimes autoritários, algo inconcebível poucos anos atrás. Quanto mais tempo esse cenário durar, mais tentadoras parecerão as promessas de estabilidade, proteção e ordem dos candidatos populistas. Já que a democracia na América Latina não está plenamente consolidada, o surgimento de tais candidatos — de esquerda ou de direita — é um perigo real, e o estrago que podem fazer é potencialmente maior.
Pesquisas mostram que a confiança dos cidadãos latino-americanos em suas instituições e lideranças políticas é a mais baixa em anos (há exceções, como a Argentina). Considerando a insatisfação com a atual classe governante em países como Colômbia, Brasil, Venezuela, Chile e Guatemala e a reversão de expectativas devido à crise econômica, fica claro por que o risco de contágio populista é maior do que nunca. O que isso significa para 2017? Inspirados em Trump, Orbán, Putin e Duterte, autoproclamados salvadores da pátria testarão a viabilidade de suas candidaturas em vários países da região.
Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo, onde coordena a Escola de Ciências Sociais em São Paulo e o MBA em Relações Internacionais. Também é non-resident fellow no Global Public Policy Institute (GPPi) em Berlim, membro do Carnegie Rising Democracies Network
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