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China deixa de comprar na América Latina

A região tem que ganhar valor agregado e melhorar o capital humano para recuperar o interesse do país asiático

Carga de gado em um barco na Vila do Conde (Brasil) com destino à China.
Carga de gado em um barco na Vila do Conde (Brasil) com destino à China.Paulo Santos (Reuters)
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O namoro entre América Latina e China perdeu o sex appeal. Depois de 15 anos de uma relação intensa, na qual os fluxos comerciais multiplicaram-se por 22, o vínculo entre esses dois titãs emergentes muda de rumo. O insaciável apetite de Pequim pelas matérias primas da América Latina terminou e deixou ferido o Novo Mundo, que busca, em meio a uma recessão econômica, algo que estimule o desenvolvimento.

O distanciamento comercial do gigante do Oriente – temperado pela queda do preço das matérias primas e na mudança da política monetária de vários países ricos – afetou o produto interno bruto (PIB) da América Latina, em 2015, com uma queda de 0,1%, a primeira variação negativa desde 2009. “A América Latina precisa transformar-se estruturalmente para continuar sendo um mercado atrativo para a China”, disse Mario Pezzini, diretor do centro de desenvolvimento da OCDE, a Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento.

O desafio que o organismo internacional propõe não é fácil. A região precisa de políticas decisivas de diversificação produtiva, melhora da qualidade dos bens e serviços e uma integração regional, resume Ángel Melguizo, chefe da unidade para a América Latina da OCDE.

A China encontra-se em um momento de transição, caracterizado por um menor dinamismo no crescimento e maior dependência do consumo interno. Essa mudança está acompanhada de um envelhecimento demográfico, uma maior urbanização e um aumento contínuo das famílias de classe média, segundo o estudo Perspectivas Econômicas da América Latina 2016, publicado pela OCDE. “Essa nova realidade pode ser benéfica para os países latino-americanos”, afirma Jorge Sicilia, economista chefe do BBVA. O país asiático converteu-se em uma parte fundamental do subcontinente: é o segundo sócio comercial da região, atrás dos EUA, mas, a nível individual, é o principal aliado de Brasil, Chile e Peru, e o segundo de México, Venezuela e Argentina.

Financiamento responsável

“A relação entre os dois lados do Pacífico deve ser aprofundada e ir um passo adiante no âmbito comercial”, disse Melguizo, da OCDE. “Deve-se proteger os vínculos financeiros e otimizar o financiamento que chega à região”, acrescenta. Nos últimos cinco anos, os empréstimos chineses chegaram a 94 bilhões de dólares, contra 156 bilhões que, juntos, emprestaram o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o CAF. Isso transforma a China no maior investidor da zona.

Por fim, Pequim anunciou que o derramamento de recursos na América Latina poderia chegar aos 250 bilhões de dólares em 2025. A OCDE indica que os governos latino-americanos devem acompanhar esse fluxo colossal de recursos com maior transparência e um fortalecimento das regulações, especialmente as relacionadas ao meio-ambiente, sobretudo em indústrias extrativistas.

O reequilíbrio da China trará uma recomposição do consumo e abrirá novas oportunidades para as exportações latino-americanas, principalmente em alguns setores, como o agroalimentar. A população do gigante asiático representa 19% dos habitantes do mundo, e no entanto, o país dispõe de apenas 7% de terra cultivável e 6% de reservas hídricas, o que representa que essa prodigiosa demanda por alimentos não poderá ser satisfeita somente pela produção interna, sublinha a análise da OCDE. “A isso temos que acrescentar que o país está passando por mudanças nos seus hábitos de consumo alimentar, por causa do processo de urbanização e consolidação de uma classe média [que pode chegar a 1 bilhão de pessoas em 2030]”, detalha o estudo.

Durante a próxima década, a China aumentará seu consumo per capita de açúcar, carne de ave e de boi por volta de 20%, segundo estimativas da FAO, a Organização de Comida e Agricultura das Nações Unidas. Ao mesmo tempo, a demanda de produtos como a pesca, os azeites vegetais, as frutas, as verduras, o leite e carne de vitela crescerão entre 10% e 20% nos dez anos seguintes. Para aproveitar essa solicitação de alimentos, os governos da América Latina deverão dar mais valor agregado a suas empresas e terão que persuadir a China a derrubar barreiras não-tarifárias, como as medidas sanitárias sobre produtos semi-processados a base de matérias primas, o que limita as exportações, recomenda a OCDE. “Se as empresas agrícolas latino-americanas querem chegar ao consumidor chinês com produtos finais, precisam despertar o interesse, assim como criar reconhecimento de marca e de país”, detalha Melguizo.

As oportunidades da América Latina na China vão além dos alimentos. A transformação de Pequim exige serviços de gestão e atendimento ao cliente, em diversos setores, durante 24 horas por dia. Além disso, os chineses abandonaram o campo para buscar emprego nas grandes cidades. Esse fenômeno implicará um novo planejamento urbanístico e uma nova gestão do meio-ambiente. A América Latina, inclusive, poderia oferecer serviços médicos a uma população que envelhece aceleradamente. Em 2011, segundo a seguradora Allianz, o país asiático tinha 19 pessoas de 60 anos ou mais a cada 100 cidadãos chineses com idade para trabalhar. Para 2050, a expectativa é que essa proporção chegue a 64 de cada 100.

Educar e produzir

Para aproveitar as janelas de oportunidade no futuro, a América Latina deverá melhorar a reserva de capital humano e a qualidade dos seus sistemas de ensino e de formação, disse Ángel Estrada, coordenador executivo de assuntos internacionais do Banco da Espanha. “A melhora da educação”, acrescenta Melguizo, “contribuiria para aumentar a produtividade do trabalho, um dos desafios constantes da região, e criaria empregos de alta qualidade, reduzindo o tamanho da economia informal”, em que estão mais de 130 milhões de pessoas, quase metade de força de trabalho, segundo o Banco Mundial.

“A mudança do modelo chinês evidenciou as carências da América Latina”, comenta Germán Ríos, diretor corporativo de assuntos estratégicos da entidade de desenvolvimento CAF. “A região tem que fazer frente a uma série de mudanças para melhorar o seu papel no mundo globalizado, e não apenas para responder às demandas chinesas”, argumenta Carlos Malamud, investigador do Real Instituto Elcano. Um desses desafios, indica Malamud, é a integração regional. “A relação que se mantém entre a China e os países da zona é bilateral e, portanto, as assimetrias de tamanho, capacidade econômica e poder para fazer qualquer tipo de negociação ficam muito desiguais”, conclui.

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