O Brasil de ponta cabeça
No Brasil pós impeachment é difícil encontrar a luz no fim do túnel e o pior está por vir: a delação do "fim do mundo" dos executivos da Odebrecht
O maestro soberano Antonio Carlos Jobim sabia das coisas: o Brasil, realmente, não é para principiantes. O Brasilé de cabeça para baixo e, dependendo do momento, pode parecer estar de cabeça para cima. Já tinha acabado de escrever este artigo quando chega a notícia da queda do poderoso Renan Calheiros da presidência do Senado. O país, mais uma vez, dá uma guinada de 180 graus. A trama se torna ainda mais surreal: quem assume a presidência é o senador petista Jorge Viana. A decisão do ministro do STF Marco Aurélio Melo jogou no colo da oposição duas pautas bomba: a PEC 241 e a Reforma da Previdência. A esquizofrenia chegou ao auge neste fim de 2016. É como um castelo de cartas: basta derrubar a primeira para que as outras desmoronem.
Ainda em novembro já havia sinais contraditórios dos atores políticos do momento. Numa entrevista coletiva da força-tarefa da Lava Jato, o promotor Deltan Dallagnol afirmou, com toda a convicção, que a presidente deposta Dilma Rousseff fez mais pelo combate à corrupção que a base aliada do atual governo. Mas, pera aí: então foi o combate à corrupção e não a desonestidade que levou Dilma ao impeachment?
Na realidade, Dallagnol olhou no espelho do passado mirando seus inimigos do presente: os políticos que aprovaram o impeachment para estancar aquilo que o senador Romero Jucá chamava de “sangria”. A troca do titular pelo vice, além de não estancar a hemorragia, aprofundou a recessão e o desemprego. O sangue subiu à cabeça dos milhões de espectadores que estão perplexos com o novo enredo proposto pela composição PMDB/PSDB. Aliás, o drama só aumenta. Pitadas diárias de terror nas páginas dos sites. É ministro emparedando ministro na liberação de paredes de um arranha-céu em Salvador. Ligações gravadas com o presidente e até a Advocacia-Geral da União arrastada para o centro do novo escândalo. A ponte do futuro levou o país para o seu pior passado, destruindo conquistas sociais importantes realizadas nos últimos 25 anos.
Sem respaldo popular e legitimidade, a face do novo-velho governo assusta e aprofunda as incertezas. Inseguro, o presidente tem medo até de tomar pequenas decisões como ir ou não ao velório dos jogadores da Chapecoense. O tal mercado e os setores produtivos estão impacientes. A taxa de investimento é a menor dos últimos 13 anos e o nosso PIB destoa dos países vizinhos da América Latina. No último trimestre encolheu 0,8%. Um investidor me disse que só agora caiu a ficha de que teria custado bem menos ao país aceitar a CPMF do antigo ministro da Fazenda Joaquim Levy e tocar a economia até a eleição de 2018. Mas, agora, Inês é morta. E ficou difícil, no curto prazo, encontrar soluções políticas e econômicas para a nação. Na Fazenda, Henrique Meirelles balança e o nome Armínio Fraga é cotado como seu substituto. Como num passe de mágica, tem gente propondo até a volta do ex-presidente FHC numa eleição indireta.
No Brasil pós impeachment é difícil encontrar a luz no fim do túnel. É mais fácil encontrar contas polpudas em paraísos fiscais, mansões, apartamentos de luxo, carros importados e muitas joias. Fácil constatar também as marcas da má administração que levaram estados como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul a não terem dinheiro sequer para pagar em dia o funcionalismo público. Mas o pior está por vir: é a delação do fim do mundo que será feita pelos executivos da Odebrecht. Ela deve atingir cerca de 200 políticos de quase todos os partidos. Na lista do caixa 2 estariam senadores, deputados, governadores, ministros e, dizem, até presidentes da República. Segundo a revista Veja, a empreiteira teria feito contribuições milionárias e não declaradas para os tucanos José Serra e Geraldo Alckmin. Vinte e cinco deputados da bancada do PT correram para apoiar a proposta de anistia ao caixa 2 elaborada no gabinete de Rodrigo Maia (DEM). A proposta não vingou.
De volta às ruas, os paneleiros desfilaram no domingo sua ira contra Renan Calheiros e a Câmara dos Deputados pelas mudanças feitas no pacote anticorrupção. Por ora, pouparam Michel Temer. Estão em compasso de espera aguardando determinações vindas dos articuladores invisíveis do movimento. Mais uma vez, levaram para a Paulista os bonecos de Sergio Moro e de Lula transformando a avenida numa Gotham City na luta do Bem contra o Mal, numa clara incapacidade de distinguir o que é ou não real. Esqueceram que Lula e o PT já não estão mais no poder. Boatos se espalham de que Sergio Moro pretende encerrar em breve a Lava Jato e passar um ano nos Estados Unidos. Preparam agora o enforcamento definitivo de Renan Calheiros e seus coadjuvantes do Congresso.
Resta saber se os nobres parlamentares que aprovaram o impeachment de Dilma estão dispostos a entregar suas próprias cabeças. A crise entre os poderes chegou ao seu ápice e tem confundido o pensamento da maioria. E a situação ainda pode piorar muito. Preocupado, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo acha que FHC e Lula deveriam se encontrar para propor saídas. Será que eles terão a grandeza para isso?
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