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Rio Grande do Sul pede socorro com ajuste para estancar sangria nas contas do Estado

Governador Ivo Sartori (PMDB) decreta estado de calamidade financeira e lança pacote de medidas de ajuste fiscal

Servidores protestam em Porto Alegre contra o fim da Fundação de Economia e Estatística (FEE), uma das nove que serão extintas.
Servidores protestam em Porto Alegre contra o fim da Fundação de Economia e Estatística (FEE), uma das nove que serão extintas.Raw Image/Folhapress

A maior recessão do século que se abateu no Brasil mostra agora sua fratura exposta nos Estados. Depois do Rio de Janeiro decretar estado de calamidade pública em junho, foi a vez do governo do Rio Grande do Sul gritar por socorro. Sem dinheiro para cobrir as despesas, o governador José Ivo Sartori (PMDB) anunciou um pacote de emergência para estancar a sangria das contas públicas estaduais. Em menos de 24 horas, ele apresentou um projeto para extinguir diversos órgãos públicos, a demissão de 1.200 funcionários e decretou calamidade financeira no Estado. Chamado por ele de “modernização da estrutura”, o pacote de medidas de ajustes anunciado nesta segunda-feira, seguido pelo decreto de calamidade na terça, é uma tentativa de tirar o Rio Grande do Sul do vermelho.

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"Trago medidas duras mas que desenham um novo Estado, um novo futuro", disse o governador ao fazer o anúncio. "Gastamos mais do que arrecadamos e por isso não conseguimos cumprir até mesmo as obrigações mais essenciais", afirmou, no que classificou de “a mais severa crise das finanças públicas da história do Rio Grande do Sul” e “a mais grave crise econômica da história da República brasileira”. Desde o ano passado, os servidores gaúchos estão recebendo seus salários parcelados e ainda com atraso.

A crise no Estado gaúcho se agravou nos últimos anos, mas já se arrastava há décadas. O Governo tem acumulado déficits, ao arrecadar menos do que gasta: em 2015, o déficit orçamentário chegou a 4,9 bilhões de reais, quatro vezes maior do que o verificado em 2014, de acordo com a secretaria da Fazenda do Estado. O que mais tem pesado nessa conta são os gastos com pessoal e encargos da folha de pagamento, que passaram de 30,5 bilhões de reais em 2014 para 33,5 bilhões no ano passado, engolindo quase 60% do orçamento.

O pacote de ajuste anunciado nesta semana ainda depende da chancela da Assembleia Legislativa, já que o plano do Governo foi apresentado por meio de seis Projetos de Emenda à Constituição (PEC) e 17 Projetos de Lei com caráter de urgência que ainda devem ser votados na Assembleia.

Além de depender do apoio dos deputados do seu Estado, Sartori precisará encontrar apoio nas ruas da população. Mas o clima, por ora, é hostil. Entidades sindicais que representam funcionários públicos prometem não sair das ruas. O Rio de Janeiro, que também anunciou medidas de ajustes recentemente, viu sua capital virar palco de protestos na semana passada, enquanto as medidas eram discutidas na Assembleia do Estado.

"Estamos aqui pra dizer que não aceitamos o pacote", afirmou ao EL PAÍS, por telefone, Claudio Augustin, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul. Ele atendeu a reportagem pelo celular, em frente à sede do Governo estadual nesta terça-feira, onde protestava. "Sabemos que esse pacote vai tirar direitos e que são medidas anti-povo e a favor da burguesia. Muitos setores já apontam para greves".

Para tentar sair do vermelho, Sartori vai recorrer à surrada fórmula de austeridade: prevê, no total, a diminuição de três secretarias, que serão fundidas, a extinção de uma dezena de fundações e entidades estaduais, além da privatização ou federalização de quatro companhias. Outras medidas, como a revisão de benefícios fiscais, devem endurecer ainda mais o ajuste.

Fonte: Tesouro Nacional
Fonte: Tesouro Nacional

Para o economista Nelson Marconi, especialista em contas públicas, o aumento das despesas com pessoal e com os aposentados vem de longa data, o que torna difícil ao Rio Grande do Sul fugir de medidas impopulares como o aumento de contribuição dos servidores, reajustes menores e contribuição de inativos. "Muitos Estados aumentaram bastante as despesas permanentes na época da bonança em que as receitas eram alta. Agora com a oscilação da arrecadação causada pela baixa atividade econômica, não conseguem pagar o próprio orçamento”, explica.

"Medidas excepcionais"

O estado de calamidade anunciado por Sartori nesta terça permite que o Governo adote "medidas excepcionais". Isso, na prática, significa que o Estado não consegue arcar sozinho com o rombo financeiro e a União precisa interferir, enviando recursos e até mesmo equipes da Força Nacional para reforçar a segurança. Isso já ocorreu neste ano, quando Temer deslocou parte da brigada que atuaria na Paraolimpíada para conter a onda de violência que assola o Rio Grande do Sul. A ação ocorreu após um pedido de Sartori, que viu os índices de violência aumentarem brutalmente neste ano: só no primeiro semestre, as ocorrências de latrocínio (roubo seguido de morte) subiram 34%.

A crise na segurança também é reflexo do desastre financeiro vivido pelo Estado. Há mais de um ano, o Governo gaúcho vem parcelando o pagamento de milhares de funcionários públicos - incluindo os brigadistas -, que acabam recebendo a conta-gotas. Além disso, as contratações foram reduzidas drasticamente. Em agosto do ano passado, o governador anunciou o primeiro pacote de medidas para tentar conter a crise, mudando as regras para a aposentadoria, cortando investimentos e aumentando impostos. Mas não conseguiu desfazer o nó das contas do Estado.

O governo gaúcho chegou a ameaçar promover um calote na dívida com a União, mas recuou ao ver as contas do Estado bloqueadas por retaliação. Em junho deste ano, Sartori sentou-se pela primeira vez com o presidente Michel Temer e outros governadores para tentar negociar a dívida do Estado. Conseguiu estender o prazo para o pagamento por mais 20 anos, carência até o final deste ano ano para pagar as parcelas mensais da dívida, desconto nas primeiras parcelas, dentre outros pontos. Ainda assim, a previsão é de que o Estado gaúcho encerre 2016 com um déficit de 2,3 bilhões de reais.

Sartori participou nesta terça de uma reunião dos governadores com o presidente Michel Temer. Ele afirmou que as medidas que tem tomado desde que assumiu o Governo, no ano passado, fizeram com que a estimativa de déficit de 2018 fosse reduzida de uma perda de 25 bilhões de reais para uma perda de 8,8 bilhões de reais. "Quando começamos nosso processo no Rio Grande do Sul, muita gente achou que era brincadeira. Hoje, as pessoas percebem que boa parte dos Estados brasileiros passam por dificuldades semelhantes. Nós nos adiantamos e aquilo que fizemos antes, melhorou. Agora, estamos propondo uma outra agenda de atuação mais forte", informa o repórter Afonso Benites.

O ajuste fiscal de Sartori

Secretarias
De 20 para 17
Três serão fundidas:
Secretaria Geral do Governo com a de Planejamento
Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos com a do Trabalho e Desenvolvimento Social
Secretaria de Turismo, Esporte e Lazer com a da Cultura.

Fundações
De 19 para 10
Serão extintas:
Fundação de Ciência e Tecnologia (CIENTEC)
Fundação Cultural Piratini (FCP – TVE)
Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos (FDRH)
Fundação de Economia e Estatística (FEE)
Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (FEPAGRO)
Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (FEPPS)
Fundação Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore (FIGTF)
Fundação de Zoobotânica (FZB)
Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan)

Autarquias
De sete para cinco
Será extinta:
Superintendência de Portos e Hidrovias
Será modificada:
Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento

Companhias
De 11 para seis
Será extinta:
Companhia Rio-grandense de Artes Gráficas
Quatro poderão ser privatizadas ou federalizadas:
Companhia Estadual de Energia Elétrica
Companhia Estadual de Silos e Armazéns
Companhia Rio-grandense de Mineração
Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul

O Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul não são os únicos Estados que atravessam grandes dificuldades financeiras. As federações, juntamente com o Distrito Federal, somam um rombo fiscal bilionário que exigiu uma negociação conjunta nesta terça-feira. Segundo o Tesouro, a dívida dos Estados soma 77 bilhões. Assim como ocorre no Governo Federal, um dos principais problemas dos estados é o aumento do gasto com servidores inativos. Além do Rio, Minas Gerais, Santa Catarina, Distrito Federal, Roraima e Tocantins viram seus gastos com pessoal aumentar mais de 50% de 2009 a 2015. Os estados do Norte e Nordeste ainda sofrem com a queda de transferência da arrecadação de impostos de outras federações para a região. "No Acre, Amapá e Roraima essas transferências chegam a quase 70% do total das receita desses estados. Com a queda de arrecadação dos outros estados eles também são bastante prejudicados", explica Marconi.

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