Em plena crise de segurança, policiais ameaçam colocar o Rio em xeque
Medidas de austeridade do Governo levam às ruas bombeiros, policiais e agentes penitenciários Grupo promove quebra-quebra na Assembleia Legislativa fluminense, que avaliará pacote proposto
Sob a ameaça de “não vai ter Réveillon!”, centenas de policiais civis, militares, agentes penitenciários e bombeiros rodearam hoje a Assembleia Legislativa do Rio, no centro da cidade. Indignados com o conjunto de medidas de austeridade que o Governo do Estado propôs para tentar superar a grave crise financeira na qual se afundou, os manifestantes quiseram deixar claro que, sem eles, o Rio de Janeiro pode mergulhar no caos. “É a polícia quem garante a segurança nos grandes eventos que acontecem no Rio e todos sabemos que, sem segurança, nada acontece. Se eles não recuarem com esse pacote de maldades há sim um risco de uma greve geral e um caos ser instaurado”, explicou um soldado que trabalha em uma das mais conflitivas favelas da cidade.
O “pacote de maldades” que o policial militar menciona ataca em cheio o bolso dos funcionários públicos – de professores a bombeiros – que já sofrem há cerca de um ano com atrasos no salário e o colapso em escolas, delegacias, quarteis, hospitais... Só no Executivo há mais de 470.000 servidores públicos. Entre os 22 projetos de lei que o Governo de Luiz Fernando Pezão (PMDB) pretende aprovar há um aumento da contribuição previdenciária de servidores ativos, inativos e pensionistas para 30% dos salários, com o objetivo de salvar o deficitário sistema previdenciário do Rio. Entre as medidas, “fundamentais para sair da crise e do estado de incerteza das finanças”, segundo o Governo, prevê-se também aumento de impostos, corte de programas sociais, adiamento até 2020 dos reajustes prometidos em 2014 aos servidores da área da segurança pública e cortes na administração.
A ameaça do caos materializou-se quando um grupo de manifestantes, entre eles policiais, resolveu invadir a Alerj sem a resistência nem confronto dos colegas fardados que velavam pela segurança do palácio. O grupo depredou o gabinete da vice-presidência da Assembleia, irrompeu no plenário, ovacionou o deputado estadual Flávio Bolsonaro, pediu o arquivamento das medidas que devem ser aprovadas até dezembro pelos deputados e até o impeachment do governador Pezão. Os papéis tradicionais de manifestantes e policiais em protestos ficavam assim de cabeça para baixo em um cenário onde os que deveriam garantir a ordem viraram protagonistas da confusão sob o olhar desconcertado de dezenas de policiais da Tropa de Choque. O balanço dos estragos aponta portas danificadas, forros de cadeiras arrancados, armários arrombados e o sumiço de quatro microfones. Do lado de fora e nos grupos de Whatsapp de policiais a ação do grupo era reprovada, mas, no entanto, contou com outros muitos apoiadores. Os manifestantes, após discursar livremente na tribuna, saíram entoando o hino do Brasil. O presidente da Assembleia, Jorge Picciani (PMDB), principal articulador nas bancadas para a aprovação do ajuste criticou os manifestantes: "A invasão do parlamento é um atentado ao regime democrático e não tem precedentes na história do Brasil. É um caso de polícia, não de política".
O protesto de policiais, que prometeram voltar às ruas no próximo dia 16, chega em um momento em que a Segurança Pública beira à precariedade no Estado e os índices de criminalidade estão em aumento. Após o Governo do Estado receber da União a fundo perdido 2,9 bilhões de reais para garantir a ordem durante os Jogos Olímpicos, as delegacias continuam sem papel e tinta de impressora, os policiais continuam com o salário atrasado e falta dinheiro para abastecer viaturas. A Polícia Civil até lançou um edital público para receber doações, de material de limpeza à obras nas delegacias.
Visto que a situação está longe de melhorar, a hierarquia das polícias apela à “consciência institucional” e a vocação dos agentes. Muitos deles, mal pagos e arriscando suas próprias vidas –115 policiais foram mortos de janeiro a outubro desse ano –, estão no limite. Delegados ovacionados por resolverem casos famosos começaram a negociar as mensalidades das escolas particulares dos filhos e os soldados fazem cálculos para refinanciar dívidas e chegar no final do mês. “A gente tem amor pelo que a gente faz, temos orgulho, independentemente das condições, mas se esse pacote ser aprovado, muitos vão desistir. O amor não sustenta nossa casa, a gente precisa receber”, lamentava o soldado Viana, destacado em uma Unidade da Polícia Pacificadora. Segundo suas contas, ele vai perder cerca de 750 reais de um salário de 4.000 reais se os novos descontos previdenciários forem aprovados, além de perder o aumento parcelado que ganhou em 2014.
Os policiais foram os primeiros a tomar as ruas, mas não serão os únicos. O Poder Judiciário, que vem tentando garantir os salários dos seus próprios servidores lançando mão de decisões judiciais, já começou sua batalha nos tribunais. O Ministério Público e o Tribunal de Justiça do Rio anunciaram ações contra o ajuste, que consideram inconstitucional, e que afetará diretamente seus benefícios. O próprio Tribunal suspendeu mediante liminar nesta terça-feira o aumento do desconto previdenciário para servidores da ativa e aposentados.
Enquanto isso, na rua, alguns dos manifestantes faziam contas que não fecham. Duas inspetoras do sistema penitenciário que trabalham no monitoramento de presos não se conformavam com a ideia de ver reduzido seu salário de 5.000 reais em 30% com as contribuições penitenciarias. “Pagamos plano de saúde, escola particular... Não podemos aceitar, já pagamos todo o que o Estado não nos proporciona.”
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