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A agricultura que combate a pobreza é assim

No sul do Brasil, tecnologia renova o ofício adotado por 70% da população global de baixa renda

Andreia e Paulo Colle, que cuidam de uma beneficiadora de porco.
Andreia e Paulo Colle, que cuidam de uma beneficiadora de porco.Mariana K. Ceratti

Se 70% de todos os pobres trabalham na agricultura e o mundo tem a meta de erradicar a pobreza extrema até 2030, uma conclusão natural é de que esses camponeses precisam de cada vez mais apoio para aumentar as colheitas e a renda. Mas em que exatamente consiste tal apoio?

É possível encontrar muitas respostas a essa pergunta enquanto se percorre o interior de Santa Catarina, onde 92% das propriedades são consideradas pequenas (com até 50 hectares). Lá, uma parceria de 30 anos entre o Governo do Estado e o Banco Mundial vem gerando lições que podem ser replicadas em outros países em desenvolvimento.

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Na atual fase, o Programa SC Rural, que se estende até junho de 2017, atende a 40.000 pequenos produtores rurais, dos quais 4,800 indígenas e 1,300 jovens. Uma recente avaliação de impacto revela que, em cinco anos, a renda dos beneficiários aumentou 118%, enquanto a dos agricultores não atendidos pelo programa subiu 56%.

Então, como transformar a agricultura familiar em um instrumento contra a pobreza? Conheça a seguir quatro fatores:

Conhecimento

Com o que aprendeu em oito meses de um curso para jovens agricultores, Adriano Heerdt conseguiu aumentar a produção de leite, diminuir o custo, melhorar as pastagens e resolver alguns problemas de saúde das vacas de que cuida. A capacitação oferecida pelo SC Rural mistura aulas com atividades práticas, no campo, para levar informações confiáveis a um público que nem sempre tem acesso a educação formal, televisão ou internet.

“Fui aplicando as técnicas que me ensinavam e via que dava certo. Hoje, cada vez mais procuro me aperfeiçoar, porque tudo dá retorno para a gente”, diz Adriano.

A informação sobre melhores práticas, novas tecnologias e oportunidades de mercado hoje é elemento chave para que os agricultores familiares possam competir no mercado de alimentos e aumentar a renda. “Em Santa Catarina, o foco deixou de ser somente em produção agrícola e passou a incluir o agronegócio (ou seja, produção e processamento) e os jovens rurais. Isso deveria ser uma estratégia a seguir no resto do Brasil e no mundo em desenvolvimento”, comenta o economista rural Diego Arias, do Banco Mundial.

Apoio aos jovens

Atualmente, cerca de 9,6 milhões de jovens entre 15 e 29 anos vivem da agricultura nos 20 países latino-americanos (2,3 milhões só no Brasil). A cifra regional caiu 20% na última década, segundo o estudo Juventude Rural e Emprego Decente na América Latina, publicado este ano pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).

O documento explica que, embora pareça haver um “fenômeno de jovens empreendedores rurais que conseguem fazer um negócio decolar”, tal conquista não é fácil. Esbarra nas dificuldades de infraestrutura do campo e requer, entre outros incentivos, programas de orientação e financiamento para esse público.

Foi exatamente esse apoio que Jaqueline Grapiglia, 25 anos, encontrou para expandir os negócios familiares. Quando o pai conseguiu montar uma padaria em casa por meio do SC Rural, a jovem viu a oportunidade de voltar para o campo. Formada em administração e pós-graduada em gestão estratégica, ela também fez o curso de empreendedorismo para jovens, que financia as melhores ideias elaboradas pelos alunos. Como projeto final, criou uma loja de quitutes rurais e agora sonha abrir um café colonial. “O agricultor só vai ficar no campo se tiver perfil para empreender”, aposta Jaqueline.

Inovação

Com tecnologias simples, já dá para aumentar o rendimento, ter um produto de melhor qualidade, trabalhar em menos tempo e poupar a saúde dos agricultores. Imagine, então, o que é possível fazer com radares, drones e equipamentos mais modernos. Tudo isso ajuda os produtores de grande porte a lidar com as mudanças climáticas e poupar os recursos naturais... mas nada está disponível (ainda) para a agricultura familiar.

Por isso, Santa Catarina criou o Núcleo de Inovação Tecnológica para Agricultura Familiar para reunir os pequenos produtores às startups locais e discutir como é possível levar inovação ao campo com escala e custo acessíveis.

“Meu sonho é ver o pessoal usando a nossa tecnologia, que é nacional e nasceu na universidade”, comenta Vitor Miranda, diretor executivo da Q Prime Engenharia, criada na Universidade Federal de Santa Catarina. A empresa está adaptando para os pequenos agricultores uma máquina de secagem de alimentos (muito usada para erva-mate e outras), que deixa o produto mais homogêneo e economiza energia. “Como é complicado chegar até os agricultores porque é muita gente espalhada pelo estado, o SC Rural pode facilitar esse contato”, conclui Miranda.

Acesso a mercados

Quando Andreia Colle e o marido tiveram de fechar o próprio aviário, por não terem condições de cumprir as exigências da grande empresa para a qual vendiam, encontraram no SC Rural a chance de recomeçar com um trabalho mais rentável. Com apoio do programa, eles estruturaram e equiparam uma pequena agroindústria de embutidos de porco, de onde saem salames, torresmos, lombos e outros produtos oferecidos tanto no comércio local quanto na merenda escolar das escolas públicas.

Nos últimos quatro anos, também fizeram cursos que, segundo Andreia, ajudaram os Colle a encontrar seu público-alvo, produzir com mais qualidade e a gerenciar o negócio de forma profissional. O próximo desafio: aumentar a quantidade de pontos de venda, mas sem perder de vista o jeito colonial dos itens produzidos pela família.

Outro tema importante na questão do acesso aos mercados é o da infraestrutura local, para que os agricultores possam escoar a produção com mais facilidade. O SC Rural atuou tanto na melhoria de 400 km de trechos de estradas rurais quanto na das telecomunicações do campo.

Mariana Kaipper Ceratti é produtora online do Banco Mundial

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