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El Chapo relembra sua infância: “Me davam golpes de vara para vacas”

Última análise psicológica sobre Guzmán Loera mostra um preso derrotado, com perdas de memória e transtorno de ansiedade

Jan Martínez Ahrens
Joaquín Guzmán Loera, o El Chapo.
Joaquín Guzmán Loera, o El Chapo.AP

Prisão de Ciudad Juárez. O preso 3912 está sentado diante do psicólogo. É acompanhado por três guardas e tem os olhos fundos pelo medicamento triazolam. O especialista pede que relembre. O homem lembra. Nasceu no povoado de Tuna (Badiraguato, Sinaloa). Seu pai, um agricultor hipertenso, morreu em 1982 de um derrame cerebral. Sua mãe, de 88 anos, ainda vive e é uma mulher de respeito. Levou a família em frente e sempre o defendeu. Inclusive quando foi acusado dos piores crimes. E não são poucos. Ele é Joaquín Archivaldo Guzmán Loera, o El Chapo. O segundo de oito irmãos, o primeiro dos narcotraficantes do mundo.

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O líder do cartel de Sinaloa se mexe na cadeira. A cada meia hora deixa de falar. Fica esgotado, faz pausas, se recupera. As avaliações psicológicos às quais o EL PAÍS teve acesso o desenham como um ser abatido, inseguro. O profissional considera que o homem sofre um transtorno de ansiedade. Guzmán Loera, 110 de coeficiente de inteligência, 66 batimentos por minuto, explica de outra forma: "Nunca tinha tomado medicamentos e agora tomo muitos. Isso está me fazendo mal. Se isso continuar assim, acho que até dezembro não vou estar bem".

Os poucos momentos de alegria vêm de suas lembranças. As mais antigas remontam à época de quando tinha cinco anos. Corta lenha, cuida do gado, planta milho e feijão. Essa memória reconforta. "Minha infância foi muito bonita", chega a dizer o homem que colocou sua arma na cabeça do México. "É sedutor, esplêndido, gera sentimento de lealdade e dependência para com sua pessoa. Mas não é indulgente com seus detratores e não hesita em romper alianças. Cumpre compromissos, mas também suas vinganças, empregando qualquer método quando se sente ameaçado", afirma uma avaliação de 2005 elaborada pelo Ministério Público.

Agora, a situação é outra. O último estudo psicológico, realizado em 11 de outubro, não fala de violência. Isso é evitado. O documento tem como objetivo fundamentar sua defesa ante a extradição. Todos os recursos apresentados até a data fracassaram. A expulsão para os Estados Unidos, seu grande pesadelo, já é iminente. Sua última esperança está em alegar maus tratos carcerários. Uma via que pode retardar sua saída e mantê-lo em uma terra onde sabe corromper e onde cada dia ganho representa uma oportunidade. Por isso fala e recorda ante o psicólogo.

De quando era criança em Tuna. A avó tinha gados e ordenhava; ele descascava as espigas para alimentar as galinhas e preparar comida. O quadro é quase idílico, mas logo se torna obscuro. A avó tinha uma vara para golpear os animais. "Me mandava por uma vaca, e se eu não trazia, me batia com uma baqueta para as vacas; me dizia ajoelhe aí e tinha que ajoelhar, se não era pior". Essa foi sua época mais feliz. O que aconteceu depois pertence à história mais negra do México.

Em seu relato ante o psicólogo, El Chapo rejeita analisar sua conduta e enigmaticamente cita a fábula da raposa e do corvo como motivo de silêncio. Fala de suas três esposas (Alejandrina, Griselda e Emma), de seus 10 filhos reconhecidos e de outros frutos de "amigas circunstanciais” a quem, afirma El Chapo, manda dinheiro para sua manutenção. Mas não menciona, ao menos ao que consta, sua amizade com o terrível Héctor Salazar Palma, conhecido como El Güero Palma, nem seu início sob as ordens de seu mentor, o ex-policial Miguel Ángel Félix Gallardo, o El Padrino, líder do cartel de Guadalajara. Não lembra nada disso.

O núcleo de sua confissão são seus problemas mentais. Sofre enxaquecas, náuseas, estresse, insônia. Os medicamentos servem "para controlar", mas em sua cabeça passam "muitas coisas passadas, mas não as recentes". "Me sinto mal do cérebro, estou esquecendo as coisas, não me lembro da toalha para ir tomar banho", afirma.

Submetido a um regime especial de isolamento por temor de uma nova fuga, só pisa no pátio três vezes por semana, tem correspondência limitada e não pode falar com seus guardas. Seus advogados consideram que trata-se de uma tortura por privação sensorial. O Governo nega. Os juízes, por enquanto, também não aceitam.

El Chapo, diluído nos dias iguais do presídio, vê o relógio correr contra ele. Fora, apesar das guerras desatadas em sua ausência, há uma fortuna, mulheres e centenas de sicários dispostos a dar a vida por ele. Mas isso está longe. Atrás das grades, o espaço vai se estreitando. "Não tenho televisão, rádio, nada... Estou sempre na cela, deitado na cama". O preso 3912 se sente asfixiado. Seu tempo se aproxima do fim.

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