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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Homicídios na América Latina: sejamos ambiciosos

Quase 13% dos 108 milhões de jovens entre 15 e 24 anos não têm emprego na América Latina e no Caribe

AHMAD ALAMEEN (AFP)

Muitas mortes são inevitáveis. Desastres naturais e doenças incuráveis podem levar vidas inesperadamente. Mas há uma morte inesperada que pode ser evitada. A América Latina pode e deve se impor uma meta ambiciosa para reduzir, de uma vez, sua taxa de homicídios. A região é uma das mais mortíferas do mundo quanto a assassinatos. Tem 8% da população mundial, mas contribui em um terço para todos os homicídios. O problema está piorando. Se não fizermos nada, calculamos que a taxa regional de homicídios possa passar de 21 a 35 para cada 100.000 habitantes em 2030. Superaria a atual taxa mundial em sete vezes.

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Acreditamos ser possível reduzir em 50% a atual taxa de homicídios da América Latina em 10 anos. Isto salvará 413.000 vidas. São vidas que a região não pode se dar o luxo de perder.

Não será fácil. O paradoxo da América Latina e do Caribe é que, apesar das melhorias na governança democrática e a redução da pobreza em anos recentes, o crime violento continuou aumentando em muitos países e cidades. Por que a violência é tão persistente? Há fatores que influem, entre os quais cinco se destacam.

O principal fator é a desigualdade social e econômica. Os níveis de pobreza caem, mas não a desigualdade. De fato, 10 dos 15 países mais desiguais do planeta se encontram na região.

Outro fator é o desemprego juvenil. Quase 13% dos 108 milhões de jovens entre 15 e 24 anos não têm emprego na América Latina e no Caribe –uma taxa que é o triplo da dos adultos. Mais da metade dos que trabalham o fazem na economia informal. Mais de 20 milhões de jovens não trabalham nem estudam, nem estão passando por capacitação profissional. No Brasil, um aumento de 1% na taxa de desemprego masculino faz a taxa de homicídios subir 2,1%.

Um fator importante é a fragilidade das instituições de segurança e justiça. Instituições que são corruptas e abusivas gozam de baixa confiança da população e abrem mais espaço à delinquência. As instituições policiais, judiciais e penais não rendem como deveriam: na América Latina, apenas 20 de cada 100 assassinatos têm uma sentença judicial, em comparação com 43 para 100 em nível mundial.

A existência do crime organizado é outro fator que agrava o problema, especialmente os cartéis de drogas, que movimentam receitas anuais estimadas em 330 bilhões de dólares por ano (1,08 trilhão de reais). Há mais razões por trás da excessiva violência na região, incluindo uma rápida e desorganizada urbanização em muitas cidades, a abundância de armas de fogo, o acesso ao álcool e as normas sociais que toleram o machismo e a desigualdade das relações de gênero.

Agora, as boas notícias

O crime e a violência se concentram em lugares e pessoas específicas. Nas grandes cidades da região, quase 80% dos assassinatos ocorrem em menos de 2% das ruas. Os governos deveriam direcionar seus limitados recursos ao desenvolvimento de soluções multidimensionais para esses pontos quentes, trabalhando com o setor privado e as comunidades locais.

soluções inovadoras que estão surgindo de ponta a ponta na região. As autoridades, os empreendedores e os acadêmicos estão experimentando soluções baseadas em dados e em evidência bem fundamentada. As soluções mais bem-sucedidas costumam ser multidimensionais –unindo táticas policiais inteligentes a programas sociais e econômicos para jovens em situação de risco. Alguns também incluem a renovação urbana e o transporte público planejado para construir um melhor tecido social.

Para ajudar neste processo, um consórcio de organizações na América Latina está lançando uma nova campanha para reduzir os homicídios com uma agenda regional. A meta é fazer a taxa de homicídios cair 50% em 10 anos, com o foco em sete países com as taxas mais altas: Brasil, Venezuela, México, Colômbia, El Salvador, Honduras e Guatemala. Isto pode salvar 365.000 vidas, muitas delas de jovens que nos ajudarão a construir uma região melhor no futuro.

O primeiro passo é começar uma conversa sobre o homicídio e suas causas. Depois, os governos e a sociedade civil precisam estabelecer metas claramente definidas, com medições de êxito. Trabalhando com o setor privado, devem priorizar seus investimentos em políticas fundamentadas em evidência rigorosa. É o único meio para que a América Latina possa, de uma vez, terminar com a ideia de que os altos índices de homicídios são aceitáveis e normais.

Robert Muggah é diretor de pesquisa do Instituto Igarapé, no Brasil, e da Fundação SecDev, no Canadá. Nathalie Alvarado coordena a área de Segurança Populacional do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

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