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Em debate tenso, Clinton usa sua experiência para frear Trump

Democrata deixa o rival republicano na defensiva com acusações de racismo e despreparo

Trump e Clinton, durante o debate.Vídeo: David Goldman
Marc Bassets

Hillary Clinton resistiu nesta segunda-feira aos ataques do Donald Trump num debate em que os dois candidatos à presidência dos Estados Unidos apresentaram visões contrapostas a respeito de economia, discriminação racial e da credibilidade de ambos para liderar a maior potência mundial. Em meio a uma expectativa global, nenhum deles cometeu tropeços importantes, capazes de desequilibrar uma campanha acirrada como esta. Não houve nenhuma tirada muito fora de tom por parte de Trump, que fez um esforço para se conter. Mas Clinton conseguiu deixá-lo na defensiva ao questionar suas credenciais como empresário, acusá-lo de racismo e colocar em xeque seu temperamento para ser comandante-em-chefe.

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Para Clinton, debater cara a cara com Trump era arriscado. O republicano, além de ser um magnata do setor imobiliário, foi também apresentador de reality shows e se sente muito à vontade na luta-livre televisiva. Para Trump, um candidato com notória tendência à improvisação, enfrentar pela primeira vez uma política experiente como Clinton, e ser confrontado com suas próprias mentiras e exageros, também representava um risco.

O duelo da Universidade Hofstra, em Nova York, terminou com mais satisfação para o campo democrata que para o republicano, mas provavelmente não significará um tombo. Faltam 42 dias de campanha, com outros dois debates no meio.

Cada um expôs suas credenciais, dentro do roteiro. Clinton mostrou um domínio detalhado dos temas, sem perder os nervos, sorridente durante boa parte dos noventa minutos de programa e gabando-se da sua longa experiência política. Trump, pouco preocupado com detalhes, transmitiu mensagens simplórias sobre livre comércio, criminalidade e política externa, de forma a poder atingir seu eleitorado, composto majoritariamente por homens brancos da classe trabalhadora.

Clinton procurou o corpo a corpo, numa constante tentativa de provocar as conhecidas explosões de Trump. O moderador, Lester Holt, e a própria Clinton expuseram as mentiras dele. Por exemplo, sua afirmação de que foi contra a Guerra do Iraque em 2003, desmentida por declarações públicas do magnata naquela época.

“Ela não tem a imagem [presidencial]. Não aguenta”, atacou Trump. E assim semeava novamente a dúvida sobre a saúde de Clinton, que respondeu recordando que, como secretária de Estado, viajou a 112 países e negociou acordos internacionais. “Ele vem me falar de aguentar...”, acrescentou.

“Ela tem experiência, mas é uma experiência ruim”, atacou Trump, cujo currículo diplomático é nulo.

“O temperamento [de Trump] não é adequado para ser comandante-em-chefe”, disse Clinton após comparar seus esforços por um acordo diplomático com o Irã e as bravatas de Trump ante os iranianos.

Quando Trump jogou na cara de Clinton que ela sumiu da campanha durante alguns dias, Clinton respondeu: “Acho que Donald acaba de me criticar por me preparar para este debate. E sim, me preparei. E sabe para que mais me preparei? Para ser presidenta”. Era uma maneira de dizer que seu rival não tem o mesmo preparo para ocupar o Salão Oval.

Ela chamava-o de Donald. Ele alternou entre “secretária Clinton” e “Hillary”. Ele parecia sério e carrancudo; ela, com um sorriso condescendente, como se o seu rival fosse um garoto travesso, e ela fosse sua mãe ou professora.

Um argumento recorrente de Trump foi que Clinton está há trinta anos na política e fracassou; que sua experiência como homem de negócios e novato na política lhe permitirá resolver os problemas dos EUA; que a política externa de Clinton propiciou a ascensão do Estado Islâmico. O republicano avançou quando expôs seu discurso protecionista em defesa da classe operária, de tribuno dos trabalhadores desamparados contra o vendaval da globalização, o fechamento de fábricas e sua transferência a países como o México, que citou várias vezes.

Tão chamativo quanto o que disse foi o que não disse. Mal citou a imigração, um dos seus temas favoritos. Tampouco lançou qualquer insulto espontâneo. Não houve um circo Trump, e isto já é uma pequena vitória para os republicanos, que temiam que uma palhaçada do seu candidato arruinasse o debate. Não foi um debate de grosserias, como se viu nos duelos prévios às eleições primárias do Partido Republicano, no primeiro semestre.

Por outro lado, Trump precisou enfrentar um contínuo ataque de Clinton por causa da falsidade de muitas das suas afirmações.

Um dos momentos mais intensos ocorreu quando a candidata democrata insinuou que o republicano esconde suas declarações tributárias porque é menos rico do que alardeia, porque não dá dinheiro à filantropia, porque não paga impostos ou porque tem credores estrangeiros que poderiam condicionar suas ações na Casa Branca.

Clinton também recordou aos espectadores comentários misóginos feitos no passado pelo republicano, e expôs práticas empresariais como a de não pagar fornecedores. O objetivo era abalar a imagem de Trump como um empresário de sucesso e defensor do cidadão comum, retratando-o, ao invés disso, como um plutocrata que se aproveita justamente do cidadão comum.

“Tudo são palavras…”, disse Trump para retratar Clinton como uma política tradicional, ineficaz e pouco confiável.

Sobre ter difundido durante anos a “mentira racista”, como qualificou Clinton, sobre a certidão de nascimento de Barack Obama – um documento falso que sugere que o presidente não é norte-americano nato –, Trump replicou com uma confusa explicação em que atribuiu a colaboradores de Clinton o questionamento da nacionalidade do primeiro presidente negro do país.

“Donald", disse Clinton em outro momento, "sei que você vive na sua própria realidade”.

O mundo viu durante noventa minutos o contraste entre dois Estados Unidos, dois candidatos que provocam mais rejeição que adesão, mas ambos, no dia de hoje, com chances de chegar à Casa Branca. 

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