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Clinton x Trump: as apostas para o primeiro debate na TV entre os candidatos

Polarização e contrastes pessoais alimentam as expectativas para o cara a cara

Marc Bassets

A profunda polarização norte-americana e os contrastes entre os candidatos que disputarão a presidência dos EUA em novembro pairam na noite desta segunda-feira sobre o palco da Universidade Hofstra (Nova York). Lá, a partir das 22h (horário de Brasília), Donald Trump e Hillary Clinton travarão seu primeiro debate, diante de dezenas de milhões de telespectadores no mundo todo. Trump é um astro dos reality shows, dominando como poucos o meio televisivo. Clinton, que pode ser a primeira mulher a governar o país, é a aspirante mais bem preparada das últimas décadas. Mas, a julgar pelos precedentes, debates raramente decidem as eleições.

Estudantes diante de cartaz de Clinton e Trump.
Estudantes diante de cartaz de Clinton e Trump.JEWEL SAMAD (AFP)

As campanhas eleitorais norte-americanas sempre têm momentos marcantes. Um deles é a convenção partidária que oficializa o candidato de cada partido. Outro momento estelar são os debates. Ao contrário do que acontece nas convenções, os candidatos não aparecem separadamente, e há margem para incertezas. Tudo pode ocorrer nos 90 minutos que a democrata Clinton e o republicano Trump compartilharão sobre o palco da Universidade Hofstra.

Começando pela dúvida sobre um aperto de mãos no começo do encontro, dada a hostilidade pessoal entre os candidatos, e passando pela possibilidade de que um rompante de Trump desestabilize Clinton, ou que um argumento de Clinton tire Trump de prumo, tudo é imprevisível no primeiro dos três debates presidenciais das próximas seis semanas.

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A expectativa é extraordinária. A previsão é de mais de cem milhões de telespectadores, uma audiência equiparável à final do Superbowl ou aos últimos episódios de séries como MASH, em 1983 (106 milhões). Somem-se a isso os espectadores no resto do planeta. Porque o debate Trump x Clinton é um acontecimento planetário. Como diz o The New York Times, um desses estranhos eventos que, em tempos de fragmentação midiática – cada um com seu celular, com seus meios de comunicação, com seus amigos –, cria um senso de comunidade.

Clinton chega à frente de Trump nas pesquisas, mas essa vantagem parou de cair no último mês, o que causa nervosismo entre os democratas. E, entre os principais Governos aliados dos EUA, há perplexidade com a ideia de que o sucessor de Barack Obama na Casa Branca possa ser Trump. Trata-se de um magnata imobiliário e estrela dos realities televisivos que construiu sua carreira política à base de comentários xenófobos, insultos a torto e a direito e falsidades sistemáticas, junto com ameaças e promessas que significariam uma guinada na política internacional de Washington (três exemplos: defende a tortura, renega a OTAN na sua forma atual e proclama sua afinidade com a Rússia de Vladimir Putin).

O cientista político John Sides é o coautor do livro The Gamble (a aposta), um estudo empírico sobre a campanha presidencial de 2012. Entre as lendas que Sides destrói está a dos game-changers – literalmente, os lances que mudam o resultado de um jogo. Entre os game-changers da campanha, os debates certamente são um dos mais supervalorizados. Sim, podem repercutir nas pesquisas, mas não o suficiente para modificar a trajetória do pleito, que depende de uma ampla gama de fatores.

“Mesmo quando os debates alteram as pesquisas, eles têm um impacto relevante na margem que separa ambos os candidatos?”, pergunta-se Sides em uma conversa por email. “A história nos indica que, para um candidato que se encontra a quatro pontos, seria difícil aproveitar uma excelente atuação em um debate para ganhar em novembro. É o que Trump necessita. Mas uma vantagem de quatro pontos significa que mesmo uma mudança de dois pontos para cada lado já é significativa. É o que marca a diferença entre uma noite eleitoral bastante cômoda para Clinton e algo muito mais incerto.”

Candidato televisivo

Que o fator espetáculo – já habitual há décadas – se multiplique neste debate tem uma explicação: Donald Trump.

Para o republicano, novato na política, a televisão é o meio natural. Sabe como conduzir um programa e tem consciência de que muitos entre os milhões de novos espectadores só irão assistir ao debate por causa da participação dele. Sua atuação é uma incógnita: tentará parecer presidencial e soar mais moderado que de costume, ou exibirá seu estilo espontâneo e grosseiro, que faz as audiências dispararem e delicia os executivos das grandes redes de TV.

Conceitos como o valor da verdade e da mentira na política estarão em jogo na Hofstra. O candidato que mentir pagará um preço? Se Trump mentir, deverá o moderador lhe chamar a atenção? Ou isso caberia a Clinton?

James Fallows, veterano jornalista que trabalhou para o presidente democrata Jimmy Carter e escreve na revista The Atlantic, teve a ideia de entrevistar a primatologista Jane Goodall para entender Trump. Goodall lhe disse que a atuação de Trump lembra os rituais dos chimpanzés machos.

“Com o objetivo de impressionar os rivais, os machos que tentam subir na hierarquia de comando desenvolvem atuações espetaculares, dando pisões, acertando tapas durante o sono, arrastando galhos, atirando pedras”, diz Goodall. “Quanto mais vigorosa e imaginativa é a exibição, mais rapidamente o indivíduo ascende na hierarquia, e durante mais tempo mantém essa posição.”

Trump se preparou para o debate como os pugilistas se preparam para os combates, ou melhor, como se preparam para os espetáculos de luta livre, um dos muitos negócios com os quais o candidato já se envolveu no passado. Ou seja, transformando os preparativos em um espetáculo em si. Durante semanas, o republicano ameaçou não ir ao debate. Dizia que o moderador está a favor de Clinton. Neste fim de semana, ele sugestivamente convidou para a primeira fila da plateia Gennifer Flowers, que foi supostamente amante do ex-presidente Bill Clinton, marido da candidata democrata.

Em 1985, o professor Neil Postman publicou Amusing Ourselves to Death: Public Discourse in the Age of Show Business [divertindo-nos até morrer: o discurso público na era do show business]. Lido hoje, parece uma premonição sobre Trump.

Numa reflexão sobre os debates presidenciais de 1984, que confrontaram o republicano Ronald Reagan com o democrata Walter Mondale, Postman lamenta que os candidatos “estejam mais preocupados em discutir do que em projetar impressões, que é o que a televisão faz melhor”. “Os debates”, prossegue, “foram concebidos como lutas de boxe, e a questão relevante era quem tinha nocauteado quem. O que determinava a resposta era o estilo dos homens: seu aspecto, seu olhar, seu sorriso, sua capacidade de pronunciar frases engenhosas”.

Clinton, uma candidata pouco cômoda na era da televisão, a qual já havia começado no tempo de Postman, prepara-se na noite desta segunda para um reality show, embora algo muito mais sério esteja em disputa: quem será o próximo comandante-em-chefe, o líder da maior potência mundial.

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