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Malba se descoloniza para comemorar seu 15º aniversário

Mulheres, desejo e indigenismo ganham espaço no museu de Buenos Aires com “Verboamérica”

A escultura “O Impossível”, da brasileira Maria Martins, em uma das salas do Malba.
A escultura “O Impossível”, da brasileira Maria Martins, em uma das salas do Malba.Ricardo Ceppi

Nem cronologias nem correntes estéticas. O Museu de Arte Latino-americana de Buenos Aires (Malba) liberou-se do colete europeísta e comemora seu 15º aniversário com uma releitura de sua coleção permanente a partir de uma perspectiva descolonizada. Verboamérica coloca em diálogo artistas de diferentes épocas e lugares para contar a história viva da América Latina através de eixos temáticos. “Tentamos capturar como o continente foi vivido mais que como foi classificado”, diz a argentina Andrea Giunta, curadora da exposição junto ao diretor artístico do Malba, o espanhol Agustín Pérez Rubio.

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“Estamos acostumados a fazer uma leitura de acordo com o que acontecia em Paris, Berlim ou Nova York e classificamos nossos artistas em relação a isso, que é um fator importante, mas os artistas também tocaram problemas internos, como o realismo social ou a violência, tão típicos da nossa região”, diz o fundador e presidente do Malba, Eduardo Costantini, ao EL PAÍS. “Em Verboamérica há uma leitura própria da temática e problemática regional latino-americana”, acrescenta. Como exemplo da “emancipação estética” está o cubano Wilfredo Lam, cuja influência surrealista fica em segundo plano para ser destacado como um artista crítico da escravidão sofrida neste lado do oceano.

A entrada da mostra é toda uma declaração de intenções. Fragmentos selecionados de obras latino-americanas acompanham o título na parede de entrada. “Negra! Negra! Negra! / E daí? / E daí? / Negra! / Sim / Negra! / Sou”, grita orgulhosa a poeta peruana Victoria Santa Cruz Gamarra na parede. “Falo pela minha diferença”, diz em seu texto o escritor e artista plástico chileno Pedro Lemebel. As mulheres, o desejo e o corpo, os indígenas e a revolução ganham protagonismo nas obras expostas. A pintura continua a ser a rainha indiscutível, seguida da escultura, mas o museu abraça também outros gêneros como instalações sonoras, vídeos, fotografias, bordados e cartazes, entre outros.

A coleção permanente foi objeto de 11 exposições até o momento. Mas ao contrário da última, suas predecessoras foram organizadas cronologicamente. Na amostra atual, formada por 170 peças da coleção de quase 600, aumentou o número de países representados, chegando a 13, e de mulheres artistas, representando 40% do total.

Verboamérica “pode ser abordada pelo público como Jogo de Amarelinha, pode-se começar a percorrer em qualquer um dos capítulos”, diz Giunta. O Hongo nuclear de León Ferrari explora a visão no meio da sala central, dedicada ao “Princípio”. Temas como a origem, a criação e a destruição se repetem em obras como Vida, muerte y resurrección, do argentino Victor Grippo e Los desastres del misticismo, do chileno Víctor Grippo.

À direita começa uma viagem pelo continente através da sala “Mapas, geopolítica e poder”, onde se destacam as obras do uruguaio Joaquín Torres García. Em Composición simétrica em blanco y negro, o artista divide o espaço em pequenos quadrados que são preenchidos com elementos que vão da América pré-colombiana até símbolos universais, como peixes, copos e relógios. A sede estrangeira pelo ouro e outras riquezas naturais do continente, que continua até hoje, está refletida em Mensaje dorado, do mexicano de origem alemã Mathías Goeritz, e no esboço do muralista David Alfaro Siqueriros Accidente em la mina.

O trajeto faz zoom nas cidades reais, sonhadas e utópicas, da América Latina em duas salas, onde suas luzes e sombras são abordadas, contrastando o “Campo e a periferia”, para continuar por “Trabalho, multidão e resistência”. A imponente Manifestación, do mestre argentino Antonio Berni, preside o espaço representando uma tradição de luta operária que ainda está viva 82 anos depois: em Buenos Aires acontecem cortes de ruas e protestos de trabalhadores diariamente, para surpresa de qualquer estrangeiro, como admite Pérez Rubio durante a apresentação à imprensa.

À esquerda, a joia mais preciosa do Malba, o quadro Abaporu, da brasileira Tarsila do Amaral, leva a duas temáticas centrais na mostra. Por um lado, a sala de “Corpos, afetos e emancipação” e pela outra “América indígena, América negra”. Na primeira, ficamos comovidos por Las dos Fridas, a versão travesti que as Yeguas del Apocalipsis fizeram do quadro de mesmo nome de Frida Kahlo no final dos anos 80, em um momento em que a AIDS estava causando estragos entre a comunidade homossexual. O retrato do clown travesti literário Batato Barea, de Marcia Schvartz, dialoga com o quebra-cabeça de corpos de Jorge de la Vega, que convida a jogar com suas peças, trocar de casais e desfrutar de orgias.

Na diagonal de Las dos Fridas é possível ver uma terceira, já na sala de “América indígena, América Negra”: Autorretrato con chango y loro, o óleo que Frida Kahlo pintou em 1942. De frente para ela, as “cholas” de Xul Solar. Em março de 2017 chegará Baile em Tehuantepec, a obra adquirida por Costantini por 15,7 milhões de dólares (51 milhões de reais), uma cifra recorde para a arte latino-americana.

Verboamérica propõe olhar para tudo de novo procurando as palavras que os artistas latino-americanos usaram quando inauguraram uma história diferente. O museu evoca essa experiência cultural viva em verbos — “viver, sonhar, cartografar, construir, viajar, despir, mutar, tornar-se outros” — aos quais o espectador poderá adicionar muitos mais.

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