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Putin se transforma em uma espécie de czar de um sistema desacreditado

Rússia realiza no dia 18 as eleições legislativas menos disputadas em 25 anos

Pilar Bonet
O presidente Putin neste sábado no aniversário da fundação de Moscou.
O presidente Putin neste sábado no aniversário da fundação de Moscou.SERGEI KARPUKHIN (REUTERS)

Em 25 anos de história, depois do colapso da União Soviética, nunca as eleições para a Duma (Câmara baixa) da Rússia foram tão tediosas quanto as que serão realizadas no dia 18 de setembro. Ao longo da última legislatura (2011-2016), as instituições do Estado se debilitaram enquanto organismos capazes de resolver os problemas dos cidadãos, e o sistema político, evocam na verdade uma arcaica monarquia baseada na vontade do soberano.

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Céticos sobre o poder de decisão de ministros e parlamentares, os russos em dificuldades querem ser ouvidos pelo presidente Vladimir Putin e se dirigem a ele para que os proteja de um sistema erodido pela apatia, inércia e falta de profissionalismo. A população se queixa hoje da deterioração do nível de vida, da alta de preços de medicamentos, alimentos e tarifas dos serviços públicos, assim como dos abusos das autoridades locais. Publicamente os russos não costumam culpar o líder, e sim a máquina administrativa instalada entre eles e o presidente-árbitro. Até o oligarca Vladimir Evtuchenkov, de quem foi tirada a florescente empresa petrolífera Bashneft devido às ambições de seus concorrentes, deu graças a Putin por livrá-lo do confinamento a que tinha sido submetido pelos órgãos de segurança. “Antes se dirigiam ao imperador (em busca de justiça), e agora nos dirigimos ao presidente”, explicou Evtuchenkov ao canal de televisão Dozhd.

Nenhum grupo no poder é alheio às tentações humanas. Uma intelectual russa destaca que “os cínicos e pragmáticos” são até uma garantia contra os desastres que poderiam ser cometidos pelos “fanáticos”. Sem ir mais longe, neste sábado o coronel Dmitri Zajarshenko, do Ministério do Interior, foi preso depois de lhe confiscarem o montante de 8 bilhões de rublos (mais de R$ 400 milhões), guardado em sacos em sua casa, segundo a agência Interfax. A soma poderia ser a recompensa de um oligarca em fuga depois de ser alertado a tempo.

A Rússia vive uma época de transição (de duração indefinida), na qual Putin se prepara para a busca de um sucessor

A eleição talvez permita a chegada de alguma cara nova a um Parlamento acostumado a aprovar de forma rotineira as leis que lhe chegam dos órgãos de segurança e da Administração Presidencial. Também contribuirão para delinear a estratégia do Kremlin para a eleição presidencial de 2018. Na legislatura anterior houve mudanças importantes na relação da sociedade com Putin. A anexação da Crimeia em 2014 (referendada pela Duma com apenas um voto contra) transformou a imagem do presidente e o marcou como o líder capaz de restabelecer o papel da Rússia como superpotência.

“Em 2014 Putin passou da legitimidade eleitoral à legitimidade da liderança militar”, afirma Nikolai Petrov, chefe do Centro de Análise Política e Geográfica. Diferentemente da legitimidade eleitoral, que é renovada nas urnas, a legitimidade da liderança militar “exige que a alimentem”, mas “não há uma segunda Crimeia, e a possibilidade de vitórias militares está limitada pela escassez de recursos, pelas linhas vermelhas traçadas pelo Ocidente e pelos problemas econômicos decorrentes das sanções”, ressalta Petrov em debate na agência Rosbalt. Para Putin, voltar à legitimidade das urnas após ter conhecido a legitimidade da liderança militar é “como voltar para a cerveja depois de ter bebido vodca”, destaca o analista.

A Rússia vive uma época de transição (de duração indefinida), na qual Putin se prepara para a busca de um sucessor, segundo Nikolai Mironov, chefe do Centro de Reformas Econômicas e Políticas. São sintomas da mudança as trocas de funcionários, que culminaram este ano com a substituição de Serguéi Ivanov, o chefe da Administração Presidencial. O modelo dirigido por Putin passou de um Politburo (o órgão dirigente do partido comunista da União Soviética, que tomava decisões de forma colegiada) para um “modelo de corte imperial em que não há alternativa”, explica Petrov. Putin está na encruzilhada: ou terminar de construir um sistema autoritário ou executar uma modernização autoritária, que em última análise levaria à democratização do sistema.

A eleição talvez permita a chegada de alguma cara nova a um Parlamento acostumado a aprovar de forma rotineira as leis que lhe chegam do Governo

Na administração do Estado, em um equilíbrio regulado pelo presidente, coabitam hoje funcionários aptos a ambas tarefas. Os partidários da militarização usam a ideia da ameaça internacional para obter recursos, e os defensores da “liberalização econômica”, herdeiros da política dos anos noventa, adaptam-se ao rumo atual, embora invoquem a necessidade de equilibrar o orçamento e os parâmetros macroeconômicos. Esses grupos de influência são fragmentados por rivalidades internas e por interesses econômicos pessoais. Este ano foi criada a Guarda Nacional, submetida diretamente ao presidente e dirigida por Victor Zolotov, o chefe de seu serviço de segurança de 2000 a 2013. Os especialistas consideram que o novo corpo responde a um anseio de autoproteção e também de controle imediato em caso de distúrbios.

Ninguém está a salvo hoje na Rússia. Nem os oligarcas fiéis, que podem ser presos mediante o uso seletivo de alguma das acusações acumuladas contra eles, nem os governadores, que também são detidos, como Nikita Belikh, de Kirov, e seus colegas de Komi e Sajalin. A Duma que sai aprovou leis restritivas que afetam a adoção internacional de crianças russas, a realização de reuniões, as atividades das ONGs com financiamento estrangeiro, as organizações internacionais (que podem ser declaradas “indesejáveis” sem argumentos) e a liberdade de expressão. A nova legislação permite encarcerar quem se manifestar contra a unidade do Estado (até cinco anos de prisão) e serviu para punir o cidadão Vladimir Luzguin por “reabilitar o nazismo” ao difundir um comentário segundo o qual Alemanha e União Soviética tinham desencadeado a Segunda Guerra mundial ao atacar a Polônia e repartir seu território.

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