O voto perdido de Rocky Balboa
Clinton não consegue atingir o homem branco de classe trabalhadora
Muito antes da estreia de Rocky em 1976, Joe Frazier já subia a famosa escadaria que leva ao Museu de Arte da Filadélfia. Se alguém perguntar no ginásio Strength Academy (em português: Academia da Força), não existe ninguém maior que o homem que enfrentou Muhammad Ali na luta do século e acabou criando uma banda de soul-funk. Mas Ishia Wise, que ensina boxe ali e tem 24 anos, admite o peso que tem na cidade o personagem de ficção: um filho de imigrantes italianos que trabalha em um açougue enquanto luta — literalmente — para chegar ao topo. “É inspirador, alguém que começa bem de baixo e consegue um grande sucesso”, explicava na terça-feira em North Liberty, um bairro difícil no passado e agora em transição, que vê os preços subirem mais rápido que os salários, lamenta Wise.
O Partido Democrata, que realiza sua convenção na Filadélfia enquanto os turistas tiram fotos nos degraus de Joe Frazier, tem sérios problemas com Rocky Balboa. As pesquisas no último mês refletem as dificuldades de Hillary Clinton para se conectar com o homem branco da classe trabalhadora e sem educação universitária, um grupo que há quatro anos foi responsável por quase metade do eleitorado e prefere Donald Trump. A última pesquisa, da CNN, apontava na segunda-feira que o candidato republicano tinha uma vantagem de 66%, em comparação com 29% de Clinton, neste grupo.
Wise não fica surpreso. “Conheço muitas pessoas que querem votar no Trump, querem grandes mudanças, mas temo que estão procurando no lugar errado”, diz ele. Em Fishtown, outro bairro operário próximo, Andrew Erace, um descendente de italianos com trinta anos, universitário e com uma loja de alimentos diz que, simplesmente, “as pessoas trabalham muito duro aqui, não têm tempo para refletir e se conectam com Trump”.
Entre o eleitorado de Trump há muitos desses chamados democratas reaganianos, aqueles trabalhadores que na década de oitenta desertaram para o partido conservador
Ressentimento social
Rocky seria eleitor de Clinton ou de Trump? John Bodnar, historiador e autor de Blue Collar Hollywood, um livro sobre o caráter político dos personagens trabalhadores no cinema americano, vê-lo como carne de canhão do trumpismo. “Rocky era, entre outras coisas, um símbolo do ressentimento da classe trabalhadora nos anos setenta, que aconteceu após os movimentos pelos direitos civis dos anos sessenta e que também veio acompanhada pela sensação de que os trabalhadores brancos tinham sido patrióticos apoiando a guerra do Vietnã, enquanto que os universitários e as minorias tinham ignorado o assunto, por isso se consideravam leais e desprezados. Muito do que você vê hoje com Trump é igual”, diz ele.
Entre o eleitorado de Trump há muitos desses chamados democratas reaganianos, aqueles trabalhadores que na década de oitenta desertaram para o partido conservador. É um perfil que piorou sua situação com a globalização, a fuga do emprego industrial e não sente que seus republicanos fizeram muito por eles. Por outro lado, a mensagem do construtor nova-iorquino se conecta com suas esperanças, promete mais protecionismo para a indústria e o controla da imigração sem cortar a rede social.
A inversão de classes está acelerando na política norte-americana. Como Ronald Brownstein escreveu em The Atlantic, desde 1960 está acontecendo “um deslocamento dos trabalhadores do Partido Democrata para o Republicano e, em paralelo, desde os anos oitenta, a viagem inversa dos profissionais de colarinho branco das fileiras conservadoras para as progressistas”. Esta eleição presidencial, na opinião dele, pode acabar com os últimos vestígios de filiação partidária por critérios de classes que definiu a política norte-americana desde Roosevelt.
Bill Malicia, também descendente de italianos e com 58 anos, era partidário de Bernie Sanders, o rival de esquerda derrotado por Clinton, e se recusa a votar nela. Pensa no partido minoritário dos Verdes. No final do dia, foi assim que aconteceu com o primeiro Rocky: perde a luta para Apollo Creed, mas deixa o mundo boquiaberto com seu esforço. Isso aconteceu há 40 anos, a mesma quantidade de anos da aposentadoria de Joe Frazier.
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