“O professor da minha filha comparou Che Guevara a São Francisco de Assis”
Movimento Escola Sem Partido foi criado a partir da indignação de um pai com um professor
A indignação do advogado Miguel Nagib foi ao limite quando numa tarde de setembro de 2003 sua filha chegou da escola dizendo que o professor de história havia comparado Che Guevara, um dos líderes da Revolução Cubana, a São Francisco de Assis, um dos santos mais populares da Igreja Católica. O docente fazia uma analogia entre pessoas que abriram mão de tudo por uma ideologia. O primeiro, em nome de uma ideologia política. O segundo, de uma religiosa. "As pessoas que querem fazer a cabeça das crianças associam as duas coisas e acabam dizendo que Che Guevara é um santo", afirma ele, que é católico e coordena o Movimento Escola Sem Partido, questionado por educadores.
"Ela já vinha relatando casos parecidos de doutrinação. Fiquei chateado e resolvi escrever uma carta aberta para o professor", conta. Ao terminar o documento, imprimiu 300 cópias e passou a distribuí-las no estacionamento da escola da filha. A iniciativa, entretanto, não deu nada certo. "Foi um bafafá e a direção me chamou, falou que não era nada daquilo que tinha acontecido. Recebi mensagens de estudantes me xingando. Fizeram passeata em apoio ao professor e nenhum pai me ligou", diz.
Diante do desinteresse geral perante a sua indignação, Nagib decidiu criar uma associação para "lutar contra o abuso do qual as crianças estão sendo vítimas". Inspirado em um site norte-americano, que ele afirma já estar fora do ar, o advogado abriu um canal online para coletar denúncias e evidências sobre a prática da "doutrinação nas escolas". "Isso acontece entre quatro paredes. As vítimas são as únicas testemunhas e elas estão submetidas à autoridade do professor. É muito complicado denunciar", diz ele, que também exerce a função de procurador do Estado de São Paulo.
Foi assim que nasceu, em 2004, o Movimento Escola Sem Partido. No site, ele traz análises e críticas pedagógicas, reportagens sobre o tema e, até um modelo de notificação extrajudicial para que os pais ofendidos por alguma observação do professor possam enviar um aviso mais sério de seu descontentamento aos docentes, ameaçando-os, inclusive, de processo.
A concepção do movimento se apoia na crítica a duas práticas que ele considera comuns nas escolas: a "doutrinação política e ideológica dos alunos por parte dos professores" e a "usurpação dos direitos dos pais na educação moral e religiosa de seus filhos". Para deixar mais claro, ele oferece dois exemplos: o de um professor marxista e, portanto, ateu, que pode expor na sala de aula sua visão de mundo, diante de alunos cujas famílias praticam uma religião e acreditam em Deus; e o de professores que durante aulas de educação sexual digam para o estudante que "não há problema nenhum com sexo, com a pornografia e que masturbação faz parte da sexualidade", o que pode fazer com que o jovem tenha "uma vida sexual ativa estimulada pelos professores e as meninas engravidem, fazendo com que os pais paguem o pato."
Segundo ele, essas práticas ferem preceitos constitucionais como a liberdade de consciência e de crença e a do pluralismo de ideias, além da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, que afirma que"os pais têm direito a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções."
Para Nagib, as falas em sala de aula têm um peso grande, porque os professores são geralmente figuras queridas, vistas como ídolos pelos estudantes e porque os alunos são obrigados a ouvi-lo, "não podem sair para tomar um cafezinho quando o professor começa a falar sobre essas coisas". É justamente por isso, diz, que a lei que seu movimento criou não pode ser acusada de censura, como fazem os opositores, na opinião dele. "Não é cerceamento à liberdade de expressão porque o professor não tem direito à liberdade de expressão na sala de aula", diz ele. "Se o professor tivesse, ele sequer seria obrigado a apresentar o conteúdo. A prova que ele não tem liberdade de expressão é que ele tem uma grade curricular obrigatória por lei. Liberdade de expressão é a que a gente exerce no Facebook. Ele não pode agir em sala de aula como ele age no Facebook", afirma. "A segunda prova disso é a seguinte: ele pode [na sala de aula] impor aos seus alunos seus pontos de vista. Se exerce a liberdade de expressão em locais onde as pessoas não são obrigadas a escutar o outro. Na TV se pode mudar de canal. De um pregador na praça, se pode desviar. Mas o aluno está ali na condição de audiência cativa", conclui.
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