Braço-direito de Macri: “Se Dilma voltar, teremos a melhor das relações”
O segundo homem mais poderoso da Argentina diz que relação com o Brasil não é ideológica
É difícil imaginar Mauricio Macri sem Marcos Peña (nascido em Buenos Aires, há 39 anos). Começou com ele em 2002, aos 25 anos de idade, e quase desde então se tornou o seu braço direito. Ele o foi quando era prefeito e continua a sê-lo, agora, quando ele é presidente. Peña assume o Governo nas costas, a comunicação, analisa pesquisas ininterruptamente e é o artífice, juntamente com o equatoriano Jaime Durán Barba, de uma campanha inovadora que levou Macri ao poder contra todas as previsões em dezembro de 2015. A Argentina passa por uma crise e por um ajuste muito duro, a inflação está nas alturas, as tarifas tiveram uma alta de até 700%, houve contestação social, mas Peña mantém intacto o seu otimismo. Sobre o Brasil, diz que "não existe uma relação ideológica" entre os governos dos dois países e, questionado sobre o apoio ao Governo Temer, lembra que a primeira viagem de Macri foi uma visita a Dilma Rousseff antes de seu afastamento.
Pergunta. Os senhores achavam que iria ser tão difícil?
Resposta. Adoraria ter dito seis meses atrás que estaríamos como estamos hoje. Foram seis meses muito bons, com muito apoio da sociedade, com uma esperança enorme. Mudamos a forma de governar e de fazer política.
P. Mas está sendo muito difícil para as pessoas. O próprio presidente diz isso.
R. No que se refere à economia, é duro. Para muitos, tão duro quanto antes, para outros, pior. Mas você enfrenta isso de uma maneira diferente quando existe uma esperança de que as coisas irão melhorar. Vive-se hoje o momento de maior otimismo dos últimos 15 anos na Argentina. As pesquisas indicam que as pessoas avaliam que a situação está difícil, que as coisas vão mal, mas sabem que ficarão melhor. Isso expressa uma maturidade, os argentinos sabiam que a alternativa. É preciso comparar as dificuldades de hoje com aquilo que poderia ter acontecido.
P. Jamais um não peronista chegou ao fim de seu mandato na Argentina. Por que será diferente com vocês?
“É um desafio melhorar reciprocamente a relação com o Papa”
R. Vivemos uma outra época. Há uma mudança geracional muito forte, e isso se reflete no Cambiemos, assim como no próprio peronismo. Mais da metade dos argentinos têm menos de 40 anos; nasceu depois da morte de Perón. As sociedades se modificam.
P. Mas têm acontecido mobilizações maciças contra vocês.
R. As mobilizações fazem parte da nossa cultura. Hoje em dia estamos vivendo o nível mais baixo dos últimos anos em matéria de conflitos sociais. Os sindicatos realizaram uma manifestação muito grande, mas depois as pessoas continuaram trabalhando. Não somos um Governo peronista, mas também não somos um governo antiperonista.
P. Há muito apoio internacional e muitas críticas internamente. Os senhores são mais bem entendidos fora, ou significa que é dentro que se sofrem as consequências das decisões tomadas?
R. O estrago que o kirchnerismo causou na imagem da Argentina no exterior faz com que o contraste ajude muito lá fora. Mas a sociedade argentina nos dá um nível de apoio que quase nenhum governo tem na América Latina.
P. Mas há críticas contundentes contra os aumentos de até 700% nas tarifas, por exemplo.
R. Ninguém gosta disso. Houve críticas a algumas medidas, mas as pessoas também entendem que elas são inevitáveis para enfrentar os riscos que estavam colocados.
P. Por que o seu Governo é o que mais apoia o brasileiro Michel Temer? É por uma afinidade ideológica?
R. O Brasil é o nosso principal parceiro. Para a política externa, não nos guiamos pela agenda ideológica. Em sua primeira viagem, Macri esteve com Dilma Rousseff. Não nos intrometemos nos processos políticos internos. Se Dilma voltar ao governo, teremos com ela a melhor das relações. Não existe uma relação ideológica, mas sim um apoio ao processo por que passa um país irmão.
P. Macri se sente confortável com as mudanças que têm ocorrido no continente?
R. Vive-se um esgotamento dos governos bolivarianos, como produto do desgaste do poder. Mas isso não implica a adoção de uma agenda ideológica.
P. Por que tanta dificuldade em falar de ideologia?
R. Nós nos definimos em termos ideológicos, mas não acreditamos que o mundo possa ser explicado necessariamente por uma divisão entre direita e esquerda. A vitória de Macri tem mais a ver com uma questão do momento que se vive, pois se trata de um Governo mais compassado com o século XXI em termos de valores e conduta. Renzi, Cameron, Obama e Trudeau no Canadá possuem ideologias diferentes, mas são lideranças que expressam uma época.
“O presidente deu um exemplo ao trazer de volta do exterior o seu dinheiro. É uma decisão pessoal de cada ministro de trazer ou não o seu”
P. Há muitos liberais no Governo. Macri tem essa origem. Por que não admiti-lo?
R. O Governo de Cambiemos faz parte da internacional socialista e da internacional popular. O radicalismo integra a socialista e nós, do PRO, estamos na popular. Há liberais, e outros que vêm da esquerda. No século XX, a ideologia explicava a realidade, mas isso foi se desfazendo.
P. Os senhores acabam de receber Henrique Capriles, dirigente da oposição venezuelana. Ele criticou o Governo por ter se moderado?
R. Nós fomos mais claros do que todos os demais da região nas críticas ao processo chavista. Buscamos uma solução pacífica e democrática na Venezuela. Estamos juntos com os venezuelanos, que passam por um momento muito difícil. Somos taxativos: é preciso realizar um referendo revogatório ainda este ano, como parte de um compromisso democrático. É preciso dar atenção para os presos políticos; condenamos a violência nas ruas.
P. E se não houver referendo, o Governo argentino recorrerá à cláusula democrática?
R. É claro que todos os mecanismos institucionais serão estudados a cada momento, conforme as ações concretas efetivadas pelo Governo da Venezuela.
P. Critica-se muito a comunicação, e o senhor é o principal responsável por essa estratégia. Comunicam mal?
R. Está claro que fazemos uma comunicação diferente da do kirchnerismo. Não nos baseamos no conflito. Não abusamos de redes nacionais, de todo um Estado a serviço da propaganda política. Não perseguimos nem criticamos o jornalismo livre. Isso provoca um efeito de vazio. Alguns se perguntam onde está o Estado que ocupava essa centralidade ensurdecedora. Já não fala o líder do povo, fala uma pessoa com uma horizontalidade assimétrica.
P. Mas fecharam muitos órgãos da mídia críticos do Governo, a oposição critica e diz que desaparecem muitas vozes.
R. O kirchnerismo diz isso porque acredita que somente existe jornalismo militante, e que a voz kirchnerista tem de ser subsidiada pelo Estado. Nós acreditamos que esse não é o papel [do Estado]. Não há censura, os canais mais afinados com o kirchnerismo dizem muitas barbaridades sobre o presidente e não recebem nenhuma crítica de ninguém. Acabou a guerra contra o jornalismo. Mas que fique claro: financiaram com bilhões de pesos órgãos da mídia de empresários amigos do kirchnerismo, que no dia em que perderam as eleições desapareceram deixando os trabalhadores sem receber. Isso a Justiça tem de resolver.
“A sociedade argentina nos dá uma taxa de apoio que quase nenhum governo da América latina possui”
P. Prometeram controlar a inflação. Está em 43%, a maior desde 2003. É o principal fracasso do Governo?
R. Nosso plano é que em 2019 haja 5% de inflação. Na área metropolitana de Buenos Aires é alta por causa da elevação de tarifas. A tendência é de baixa. Já está em vias de ser derrotada.
P. Prometeram pobreza zero e há 1,4 milhões de pobres a mais desde que chegaram.
R. Dissemos que eram metas que levarão muitíssimo tempo, muito mais que um Governo. A Argentina não tem razão para ter a pobreza que tem. É verdade que estamos em uma situação delicada e por isso reforçamos as medidas sociais.
P. Não prometeram demais na campanha? Quando chegará a revolução da alegria de que falaram?
R. Nunca dissemos que iríamos resolver de um dia para o outro. A revolução da alegria chegou desde o 10 de dezembro. Porque estamos em um país que quer apostar em si mesmo, acreditar que pode fazer as coisas melhor. Isso não quer dizer que não haja argentinos que sejam muito críticos, isso é a democracia.
P. Por que um investidor estrangeiro iria trazer seu dinheiro à Argentina se os ministros e o presidente têm parte do seu fora do país?
R. O presidente vai trazer o dinheiro dele.
P. E os ministros?
“A revolução da alegria chegou a partir do 10 de dezembro”
R. A Argentina teve um problema de confiança durante muito tempo. Vamos fazer uma medida de perdão de dívidas tributárias. Alguns dizem que de 30% a 40% de nossa economia está na informalidade.
P. Os ministros não deveriam dar o exemplo?
R. O presidente deu. No mais, é uma decisão pessoal de cada um. Nós não vamos nos meter nessa decisão. O presidente foi muito claro.
P. O senhor não tem dinheiro fora. Gostaria que os demais ministros também não tivessem?
R. O presidente deu seu exemplo, é uma decisão pessoal.
P. Não é uma decisão política? Estão pedindo ao mundo que traga seu dinheiro e os ministros têm o deles fora?
R. Sinceramente, creio que é uma decisão pessoal.
P. Faz sentido que o ministro da Indústria, peça-chave para fixar o preço do combustível, tenha um milhão de dólares em ações da petroleira Shell?
R. O ministro tem 0,0001% da Shell internacional. Nenhuma de suas ações influi na cotação. Do ponto de vista legal está claro. Do estético, cada um pode ter uma opinião, respeitamos sua decisão pessoal. É um ministro com enorme valor.
P. Está ganhando corpo a ideia de que este é um Governo de ricos que não entende os pobres?
R. Há 12 anos o kirchnerismo diz que Macri é um rico que governa para os ricos. Eu mudaria de argumento, pois nas eleições ele os venceu nos bairros mais humildes. Macri era rico antes de entrar na política e certamente quando sair terminará com menos recursos. Muitos políticos argentinos chegaram pobres e saíram ricos. A transparência e honestidade do presidente não têm mancha. Tem sido o político mais visado.
P. Os Panama Papers causaram danos ao presidente?
“Não somos um governo peronista, mas também não somos um governo antiperonista”
R. Na realidade, não se descobriu nada do presidente nos Panama Papers. Eram velhas empresas. A ex-presidenta Kirchner tentou apresentar isso como algo equivalente aos casos de corrupção, e não é assim.
P. O que se passa com o Papa? Agora rejeita até uma doação sua. Por que tantos gestos hostis?
R. Vamos a cada caso. A Fundação Scholas nos apresentou em março por carta a necessidade de apoio econômico. Dissemos-lhes que sim. Por uma diferença de critério entre eles, consideraram que é melhor que isso seja feito por fundações privadas. Há excesso de interpretação. Nós não vemos o conflito.
P. Não há tensão? O Papa recebeu Macri por 22 minutos e Hebe de Bonafini, supercrítica de Macri, por duas horas.
R. Esses 22 minutos foram porque se esgotou a conversa, porque se conhecem há 12 anos. Foi curta, sim. Dão-se bem, as conversas sempre foram assim. A verdade é que o Papa está em outra dimensão, é a mais importante de nossa história como país. Nós vimos como o kirchnerismo o perseguia. Não temos a mesma agenda. É verdade que houve gestualidades que não deram essa sensação. É um desafio melhorar mutuamente e evitar gestos que possam ser interpretados como esse. Têm sido seis meses de muito trabalho, vamos encontrar esse espaço. Hoje [segunda-feira] a chanceler Malcorra esteve com ele. Não vejo que haja um problema estrutural.
P. O Papa é peronista?
R. O Papa é papa. Interpretá-lo com categorias políticas argentinas reduz o personagem histórico.
P. Quem é o chefe da oposição? Alguns dizem que é o Papa.
R. Isso certamente que não. A ex-presidenta Kirchner representa um setor importante, Sergio Massa, [Juan Manuel] Urtubey também representam setores importantes. Não sei se há um chefe porque está fragmentada. Mas é parte da mudança de época. A fragmentação é a norma. O eleitor mudou no Ocidente.
P. A rua é kirchnerista?
R. Não, de jeito nenhum. Parece que alguém é mais poderoso por juntar 4.000 pessoas. A realidade é que o presidente hoje pode caminhar por todo o país, tocar campainhas.
P. Mas este edifício [a Casa Rosada] está rodeado de cercas, a Plaza de Mayo está cheia delas. No 25 de maio, dia da independência, tiveram de blindá-la...
R. No 25 de maio havia 300 pessoas dispostas a arruinar uma festa da pátria, não 50.000. Se alguém quer buscar elementos para confirmar que estamos em um país com uma grande crise social, uma Argentina irada, vai encontrar alguns pequenos. Mas não é a realidade. Há minorias violentas, sim. É fácil mandar 30 pessoas gritarem em um evento. A Argentina vive um momento de maturidade e otimismo. Estamos vivendo uma época de enorme liberdade depois de 12 anos dominados por uma forma mais opressiva de exercer o poder. Terminamos os meses mais duros. Agora vem uma Argentina que vai crescer.
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