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Mazinho, campeão mundial em 1994: “Antes pensávamos na camisa; hoje, não sei”

O ex-jogador analisa a situação da seleção brasileira, eliminada na fase de grupos da Copa América

Juan I. Irigoyen
Mazinho, nesta segunda-feira em Barcelona.
Mazinho, nesta segunda-feira em Barcelona.Joan Sánchez

Campeão do mundo na Copa dos Estados Unidos em 1994, Mazinho (Paraíba, Brasil, 1966) conversou com o EL PAÍS num quiosque à beira-mar em Gavà, município da província de Barcelona. Seus filhos Thiago e Rafinha foram formados sob a chancela de La Masía, academia de formação do Barcelona. Enquanto o primeiro, jogador do Bayern, começa sua jornada na Eurocopa, o segundo, jogador do Barça, espera disputar os Jogos Olímpicos depois de a seleção brasileira ter sido eliminada na fase de grupos da Copa América.

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Pergunta. O Brasil deixou de ser o Brasil?

Resposta. Hoje em dia existem tantos interesses no futebol... As grandes promessas do futebol brasileiro estão todas no Shakhtar. O maior fabricante de jogadores brasileiros é a Ucrânia. Eles vão ao Brasil, compram os jogadores quando têm 16 anos e quando completarem 18 os levam para a Ucrânia. Compram por quatro milhões de euros e depois vendem por 40. Um bom negócio, mas nós não acabamos a formação dos nossos jogadores. E eles não os vendem mais cedo porque a FIFA não permite. O negócio vem antes da formação.

P. No entanto, Dunga continua sendo designado como o maior responsável...

R. Não acredito que o problema seja o Dunga. O problema são os próprios jogadores. O treinador tem menos influência nisso, embora, é claro, possa ter parte da culpa.

P. Qual?

R. O esquema de jogo: jogadores muito defensivos e sem jogadores criativos. O problema é que não temos esse tipo de jogadores.

P. Nem atacantes?

R. Acabaram todos. Nosso homem se chamava Adriano, mas com todos os problemas dele, acabou se arruinando. E como ele, Pato, Fred e podemos falar de outros mil. Eu gostaria de saber o que acontece na cabeça desses jogadores.

P. Eles não têm fome?

R. Não sei, mas não é como antes. Quando fui convocado para a Copa de 94 eu comprei fogos de artifício e os disparei na minha casa, de tanta alegria. Antes nós pensávamos muito na camisa. Agora, não sei. Não sei se é por causa do dinheiro, ou se muitos preferem sair de férias.

“O problema não é Dunga. Faltam-nos jogadores criativos”

P. Quando se perdeu o futebol brasileiro vistoso?

R. Há pouco tempo, pensava: quando perdemos a técnica? Acho que foi quando ganhamos a Copa do Mundo de 1994, porque foi quando mudamos o esquema de jogo. Nunca antes uma equipe brasileira tinha jogado no 4-4-2. O nosso futebol era um 4-3-3 ou 4-1-5. Não tínhamos homens fixos no meio-campo. Mas, pela necessidade de ganhar um título nos Estados Unidos, mudamos o esquema. Na época, fazia 24 anos desde a última vez que o Brasil havia conquistado uma Copa do Mundo e Parreira pensava que tinha que igualar a força europeia. Ele deixou Bebeto e Romário à frente, sem preocupações defensivas, e os outros tinham de trabalhar como loucos. A partir daí os clubes brasileiros começaram a copiar o sistema. Esse futebol cheio de combinações que tínhamos parecia lento porque os jogadores não se movimentavam, mas não era verdade. Corria a bola, não os jogadores. Ninguém era capaz de nos roubar uma bola. Não havia essa pressa.

P. Agora o resultado tornou-se mais importante do que o jogo?

R. Sim, porque se um treinador perde três jogos vai para a rua e isso os deixa inseguros. Não existe um plano a médio ou longo prazo. Tudo se resume ao resultado. Começamos a jogar com “operários” e os jogadores mais técnicos foram ficando de lado. Acabaram os camisas 10, acabaram os pontas, e já não produzimos tantos grandes laterais. Hoje jogamos em função do Neymar.

P. É impossível não depender de um jogador como o Neymar?

R. É normal depender de um jogador assim. Acontece com a Argentina em relação ao Messi, e isso que eles têm muitos jogadores de qualidade. A presença dele muda os automatismos, que quando não existem a equipe não sabe o que fazer. Claro que você pode ter um jogador que resolva uma partida, mas você tem de pensar no coletivo. E isso é o que acontece com o Brasil. Criou-se uma dependência tão grande do Neymar que quando ele não joga alguma coisa falha.

“Não há plano a médio ou longo prazo. Tudo se resume no resultado”

P. Neymar é o último expoente da essência do jogador brasileiro?

R. No momento não podemos falar de outro jogador. Talvez amanhã surja outro jogador importante, mas agora não há outro. Em 70 era o Pelé e mais quatro em volta dele; em 82 tínhamos Sócrates, Zico e Falcão, que eram o máximo. Em 90 e 94 havia jogadores importantes. Antes, cada time no Brasil tinha cinco jogadores de nível internacional. E quem não era torcedor do Flamengo ou do Fluminense sabia o time que tinham. Hoje, eu que sou torcedor do Vasco de Gama, não sei a escalação do time. Perdemos essa fábrica de jogadores.

P. Você fica triste que o Thiago não jogue pelo Brasil?

R. Fico, sim, mas não é culpa dele. Foi culpa da CBF. Em 2006 ou 2007 ele recebeu a primeira convocação para a seleção espanhola sub-17. Eu não queria e telefonei para o Brasil, todos os meus amigos da seleção de 94 trabalhavam na CBF. Disse a eles que aqui na Espanha eles deveriam observar três jogadores: Thiago, Rafa e Rodrigo. Três jogadores que estavam surgindo muito bem. E eles disseram que a política era que não queriam jogadores formados fora do Brasil. “Somos brasileiros”, eu disse a eles. Mas se em casa nos dizem não, então vamos jogar para a Espanha. Mas voltemos ao que eu estava falando, dos interesses que existem no mundo do futebol. Os grupos de empresários entram no meio e querem que joguem na seleção os seus jogadores que atuam nos clubes do Brasil, porque se jogarem na seleção poderão se vendidos para clubes da Europa. Ninguém fez dinheiro com o Thiago. Tem muita gente trabalhando de uma forma muito suja no futebol.

P. Por que o Thiago não consegue explorar todo o seu potencial?

R. Talvez ele tenha perdido a confiança, antes arriscava muito. Ele também teve problemas com lesões, que o seguraram um pouquinho. Outro dia nós conversávamos e eu disse: “Tente voltar a arriscar, a romper as linhas, é a única forma de recuperar a confiança. Se você falhar é porque tentou e as pessoas vão entender. O futebol é uma diversão. Você tem de voltar a se divertir”.

P. Como está o Rafinha?

R. Quando começou a ter confiança e a jogar, ele se machucou. Hoje está muito bem. Ele tem uma estrutura física diferente daquela do Thiago e é mais vertical. Ele teve a infelicidade da lesão e é normal que tenha tido problemas musculares, mas o Rafa está num bom momento.

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