A fúria cômica das redes contra o “bela, recatada e ‘do lar’”

Um perfil da ‘Veja’ de Marcela Temer, eventual nova primeira dama do país, convulsiona as redes sociais

A república brasileira está em chamas. Ok, já sabemos disso, afinal a programação da crise política ocupa atualmente um espaço de 24/7 em nossas vidas. Mas o último incêndio não vem do Congresso, onde a Câmara de Deputados aprovou há três dias o envio do impeachment de Dilma Rousseff ao Senado, nem de qualquer outra cúpula estranha do poder em Brasília. Vem de um perfil de Marcela Temer, esposa do vice-presidente Michel Temer, portanto talvez a futura primeira-dama que a revista Veja publicou em 18 de abril. O título "Bela, recatada e do lar" da reportagem parece ter acendido a fúria cômica das brasileiras (e brasileiros).

Michel Temer e a esposa, Marcela, ao lado de Dilma na posse da presidenta, em 2015.

Uma enxurrada de memes surgiram com Marias, Joanas, Paulas, Rebecas e Zenaidas interpretando suas maneiras de ser “bela, recatada e ‘do lar’”. O tema virou trending topic no Twitter. Nas imagens, há mulheres de todas as idades trabalhando, cuidando da casa e dos filhos e muitas, muitas delas apenas curtindo a vida adoidado. Tudo parece ser uma resposta "ao bom comportamento" atribuído a Marcela no texto da revista, cujo marido, por causa disso, seria "um homem de sorte".  A mulher com quem o vice-presidente é casado há 13 anos não é ouvida na reportagem, mas sua irmã a descreve "como recatada", com roupas até o joelho e preferência por cores claras.

O coletivo feminista Think Olga se perguntou qual seria a reação masculina se o companheiro de uma mulher no comando de um país ou mesmo o marido da Rainha Elizabeth fosse descrito com os adjetivos da revista.

Alguns dos que se manifestaram acharam por bem explicar que a chuva de memes não era contra Marcela, mas contra o que acreditam ser a intenção da reportagem de vender um "modelo de mulher". Frisaram que defendiam o direito dela dedicar tempo ao filho e a outras atividades, inclusive tratamento de pele, se assim bem entendesse.

 

No Brasil da Guerra Fria tropicalizada, dividido entre "direita" e "esquerda", pró e contra o impeachment, sobrou até para os apoiadores de Dilma Rousseff que quiseram surfar na onda e criticar a mulher de Temer de maneira machista. O debate sobre sexismo já é uma das camadas da crise há algum tempo. A presidenta Dilma Rousseff é frequentemente xingada com termos sexistas e nesta semana ela repetiu a jornais estrangeiros que se vê como vítima de misoginia. No mês passado, a presidenta reclamou formalmente de uma reportagem da revista Isto É que, sem citar entrevistados com nomes, dizia que ela estava "desequilibrada". Uma das autoras do pedido de impeachment, a professora da USP, Janaína Paschoal, também foi descrita como "descompensada por falta de homem" depois de sua enérgica apresentação no Largo do São Francisco em São Paulo.

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