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Panamá se reconhece nas telas

Festival Internacional de Cinema do Panamá celebra em sua quinta edição o aumento de filmes nacionais

Enquanto jornais ao redor do globo desvendam os Panama Papers todos os dias em suas manchetes, neste país mestiço de menos de quatro milhões de habitantes, a segunda maior economia da América Central, algo raro acontece: todos estão falando também do Panamá. O feito é inesperado para uma terra cujo lema oficial é “Para o benefício do mundo” e onde há grande atração pelo que vem de fora. Mas, assim como as empresas offshores, o Festival Internacional de Cinema do Panamá (7 a 13 de abril) anda estimulando os panamenhos a ver a si mesmos e a discutir a realidade nacional.

Imagem do filme 'Salsipuedes'.
Imagem do filme 'Salsipuedes'.

Com 75 filmes na seleção oficial, o IFF Panamá chega em 2016 à sua 5ª edição, com a expectativa de superar a marca conquistada no ano passado de 30.000 espectadores. E o faz com a ajuda de oito produções nacionais – entre longas e curtas-metragens de ficção e documentários –, espalhadas nas diferentes seções do evento e que abordam sobretudo temas do presente. Duas delas são as mais aguardadas pelo público: Salsipuedes, ficção dirigida por Ricardo Aguilar Navarro e Manolito Rodríguez, e A la deriva, documentário de Miguel I. González. Ambas estreiam em casa antes de tocar na porta de festivais internacionais.

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Entre os dois filmes, a promessa de agradar outros olhos que não somente os panamenhos está com A la deriva. O documentário recolhe os testemunhos de três mulheres afetadas pelo envenenamento massivo por dietilenoglicol que aconteceu no Panamá em 2006, através de medicamentos distribuídos pelo sistema nacional de saúde pública. A substância de uso industrial, utilizada por engano na fabricação de remédios contra o resfriado comum, causou em aproximadamente 20.000 infectados (segundo cifras do comitê de vítimas, em um país de menos de 4 milhões) uma série de doenças degenerativas em um escândalo sem precedentes no país e no mundo. As doenças exigem tratamento permanente e não têm cura, e os envolvidos no caso – que completa 10 anos em outubro deste ano, quando o filme deve fazer sua estreia comercial – não foram responsabilizados.

“Meu objetivo não era fazer uma reportagem investigativa, mas um retrato humano de algumas vítimas que pudesse aproximar o espectador de um drama que, como tudo no Panamá, as pessoas tendem a esquecer”, explica Miguel I. González, 30, realizador de Chitré, no interior do país, que estudou cinema na EICTV de Cuba – epicentro de formação em audiovisual para jovens na América Latina. Mesmo no formato tradicional, baseado em entrevistas, o documentário atrai justamente pelos relatos tocantes de Iris Barrera, Briseida Moreno e Milagros Rey, cujos cotidianos estão agora marcados pela negligência e pela indiferença do Estado – que, de acordo com González, não reconhece culpas ou o número real de afetados e não cobre totalmente as necessidades das vítimas. O filme, que custou 135.000 dólares e foi feito em grande parte com dinheiro do fundo nacional de estímulo à produção cinematográfica que existe no Panamá desde 2012, fará sua première mundial neste domingo, 10 de abril.

À sua vez, Salsipuedes toca na ferida da imigração para falar da relação entre um pai e um filho. Andrés, que cresceu vendo o pai lutador de boxe entrar e sair da prisão, é mandando pela mãe a Washington em busca de melhores exemplos e oportunidades de vida. Quando o avô por quem sentia forte ligação morre, ele volta ao Panamá e, ainda que tivesse planos de deixar novamente o país, não consegue escapar da sombra do pai – e nem de sua terra natal. Apesar da atmosfera de novela televisiva, o filme foi aplaudido por boa parte da plateia que lotou sua estreia nesta sexta-feira no Teatro Balboa, um dos mais tradicionais da capital. Seus realizadores também foram contemplados com recursos do fundo nacional, que cobriu cerca da metade dos custos de produção (850.000 dólares).

O panamenho Miguel I. González, um talento desta edição do festival.
O panamenho Miguel I. González, um talento desta edição do festival.Edison Sánchez/IFF Panamá.

Um país de cinema

Pituka Ortega Heilbron, diretora do IFF Panamá e também cineasta, celebra que sejam este ano oito filmes panamenhos a estrear no marco do festival. Um deles é o seu La ruta, documentário que aborda os desafios do transporte público no Panamá. Apesar da estreia no evento, o filme não disputa um dos prêmios entregues por patrocinadores à melhor ficção iberoamericana, melhor filme da América Central e melhor documentário – ao contrário de A la deriva e Salsipuedes. “Quando começamos, em 2012, era muito difícil encontrar filmes panamenhos. Havia documentários, quase nenhuma ficção, e tínhamos de recorrer a filmes mais antigos, de 2005, 2006, para compor a programação”, relata a realizadora, que dirigiu um dos longas panamenhos de maior presença em festivais internacionais (quase 70, nas contas da cineasta), Os punhos de uma nação (2005).

Atualmente, depois de um turning point que, segundo Pituka, se deu em 2013 com o elogiado documentário Reinas, de Ana Endara Mislov – um dos talentos mais eminentes do Panamá hoje –, o IFF Panamá é obrigado a deixar candidatos panamenhos de fora de sua seleção em nome de uma curadoria de qualidade. E até conta com a Primera Mirada, uma seção de filmes nacionais em fase de finalização que passam pela análise de especialistas internacionais, responsáveis por entregar a um vencedor um prêmio de pós produção que inclui presença garantida do filme pronto no mercado do Festival de Cannes, o mais importante do mundo hoje. Outro marco do festival, na visão de sua diretora, foi o documentário Invasión, de Abner Benaim – que estreou no Panamá em 2014 e já circulou por mais de 30 festivais no mundo.

“Estamos muito felizes que alguns realizadores apostem no nosso festival para lançar seus filmes, assim apostamos neles. Acredito que só construiremos esse país de cinema juntos, com a ótima resposta que o público panamenho vem dando ao festival”, diz Pituka, que acredita que seu país é ainda mais afim às telas de cinema que às de celular e tablets. No ano passado, o Panamá contabilizou 5,7 milhões de ingressos de cinema vendidos, um resultado positivo, mas que pode ser melhor. "Nossa missão é contribuir com esse crescimento, criando maneiras para que aqui se veja mais cinema feito no Panamá e na América Central”. Ao parecer, o IFF Panamá vai por bom caminho. Nesta edição do festival, todas as premiéres nacionais tiveram entradas esgotadas, até agora, antes do início das sessões. Sem falar que, depois do vazamento dos Panama Papers, os filmes panamenhos são o assunto preferido das rodas de conversa aqui também.

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